Um martelo de aço gigante preso em uma caixa de vidro de 3 m de altura ocupa a Galeria 2 da Luciana Brito Galeria. Força, delicadeza, contenção. A seu lado, uma escultura de bronze que lembra uma tesoura aberta com formas marinhas nas pontas. A primeira chama-se Fotini e a segunda Venus-Delilah, ambas alusões ao universo feminino. Essas são as obras que o artista gaúcho radicado nos EUA, Saint Clair Cemin expõe em São Paulo até 17 de agosto.
O martelo foi fabricado em Pequim, onde o escultor mantém um ateliê desde 1999. Lá, é mais rápido e mais barato fazer essas coisas do que em Nova York, cidade em que Saint Clair vive desde 1978. Vive em Nova York, mas cultiva forte ligação com a Europa. Estudou na École Nationale Supérieure de Beaux-Arts, em Paris, e mantém até hoje um ateliê em um castelo na Borgonha. No verão, vai para a sua casa de praia na Grécia com a mulher e a filha. Divide-se entre quatro continentes, pois não deixa de visitar anualmente Cruz Alta, no sul do Brasil.
O martelo surpreende, encanta, provoca. Parece que Cemin foi premonitório e o fez especialmente para o Brasil. Em junho, alguma força adormecida rompeu a Caixa de Pandora e libertou todos os males. Foi martelada para todos os lados. Mas não, Fotini não é uma referência bem-humorada aos protestos violentos que varreram o país. A obra foi feita sob encomenda para o Parque de Esculturas da Frieze, em Nova York. No começo do ano, ficou exposta em um gramado próximo ao East River, em Randall’s Island Park.
Fotini é um nome próprio feminino grego que significa “aquela que nasce da luz (fos)”. A obra encerra uma dualidade: a força do martelo contrasta com a fragilidade do vidro. Levemente inclinado, o martelo está em repouso, no dramático momento anterior à ação. A dualidade também é presente em Venus-Delilah. Vênus, deusa latina do amor, nascida da espuma do mar, se contrapõe a Dalila, mulher por quem o líder judeu Sansão, o homem mais forte do mundo, se apaixona. Dalila, uma filisteia ou palestina, descobre o segredo da força de seu marido e o trai: com uma tesoura, corta os seus cabelos e o deixa a mercê de seus inimigos. As duas obras fazem parte de uma série intitulada Drama, por seu valor narrativo.
As esculturas de Saint Clair Cemin são sempre variadas, se utilizam de estilos, épocas e escolas diversas. Há humor, há comentários sobre a arte e o design, sobre o objeto e o instrumento ou ferramenta. Sem cair na armadilha do pastiche pós-modernista, ele consegue trabalhar com uma gama de figuras e materiais – bronze, ferro, madeira, mármore, resinas sintéticas –, que lhe conferem uma forma espontânea, autêntica e despojada como poucos no mundo atualmente.
Saint Clair Cemin se enturmou em Manhattan nos anos 1980. Foi um dos primeiros artistas brasileiros a fazer sucesso por lá. Viveu a efervescência do East Village e se tornou amigo de artistas seminais, como Jeff Koons, Jean-Michel Basquiat e Keith Haring. Suas obras fazem parte de importantes museus como o Whitney, em Nova York, o Moca, em Los Angeles, e Inhotim, em Minas Gerais. Por investigar com rara criatividade e liberdade as possibilidades da escultura pública, ele está presente em praças, hospitais e sedes de empresas em vários países.
Aos 62 anos, o cosmopolita Saint Clair Cemin ainda não teve uma mostra retrospectiva a altura de sua importância em seu país. Outro brasileiro radicado em Nova York parece ser mais reconhecido por aqui. Trata-se de Vik Muniz. O interessante é que Muniz aponta Cemim como seu artista brasileiro preferido. “O fato de eu ter ficado mais no Brasil do que ele, me estabeleceu mais no nosso País, mas o público brasileiro merece uma exposição que mostre o tamanho e o escopo do seu trabalho”, declarou recentemente. Com a palavra os museus e instituições culturais brasileiras.
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