A geração do antológico Pasquim (1969-1991), de que são expoentes os cartunistas Jaguar, Millôr, Ziraldo e Henfil, figura entre os fãs de Saul Steinberg (1914-1999), artista romeno naturalizado americano que, por cerca de 60 anos, teve suas ilustrações publicadas pela exigente revista The New Yorker. Graficamente perfeitos para uma época em que a impressão, por não ser digital, pedia alta definição do traço, os desenhos de Steinberg sobressaíam pela pureza da linha. Para conferir, é só dar uma espiada nos 111 desenhos do cartunista, em cartaz na mostra Saul Steinberg: as aventuras da linha, até 21 de agosto, no Instituto Moreira Salles/RJ, ou a partir de 3 de setembro, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Steinberg brilhou numa época em que a ilustração jornalística desempenhava papel social importantíssimo, até por não ter competidores midiáticos tão vorazes quanto a televisão (ainda incipiente) e a internet. Foi a imprensa que proporcionou seu passe para o restrito mercado da arte contemporânea internacional, que por sua vez o emparelhou aos grandes artistas do século XX.
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O segredo de Steinberg está em sua competência figurativa – cowboys, trens, monumentos fictícios, pássaros, gatos e bichos sem nome, mulheres em casacos de pele, desfiles, desenhos de arquitetura, bombardeios e falsos documentos -, amparada em sólido repertório intelectual e irredutível posicionamento crítico. É delicioso verificar como suas ilustrações, baseadas na síntese gráfica – aspecto fundamental da ruptura promovida pelo cartum moderno – dispensam os textos em que se inspiraram. Autônomas, com status de arte, têm a capacidade de elevar o autor ao patamar de articulista visual.
“Claro que podemos decidir se vamos nos tornar artistas de museu, mas, aos meus olhos, isso é tão ruim quanto tornar-se um artista comercial, no sentido em que você não é mais um artista moderno. Tem que estar submetido ao Papa ou ao Príncipe. A essência do artista moderno está na procura, está na sua posição precária, está em não ser profissional”, disse Steinberg em 1986, ao responder a um jornalista que lhe perguntara sobre seu conceito de “artista”. Segundo seus biógrafos, tudo que viesse do Papa ou do Príncipe o aborrecia. Chamava de lição de casa, o que ele simplesmente odiava. E também não queria ser chamado de artista; pensava nos compradores de quadros, nas manias de colecionadores. Só vendia os direitos da publicação de seus desenhos para editores.
“As pessoas que veem um desenho na New Yorker, vão achar que é engraçado por estar lá”, chegou a dizer certa vez. “Se o vissem num museu, o achariam artístico, se o achassem dentro de um biscoitinho chinês da sorte, diriam que era profético”. E ele tentava confundir os leitores para que realmente não soubessem interpretar o que estavam vendo, ou que tivessem muitas interpretações ao mesmo tempo.
No Brasil é a segunda vez que a obra de Saul Steinberg é exposta. A primeira foi em 1952, quando o Museu de Arte de São Paulo (Masp) ainda ficava na Rua 7 de Abril, no centro da capital paulista. Dessa exposição, a curadora e historiadora Roberta Saraiva pinçou várias produções, assim como de uma individual realizada no mesmo ano, em Nova York, nas galerias Sidney Janis e Betty Parsons, e da coletiva Fourteen Americans, organizada pelo MoMA, em 1946. A maioria das obras na mostra, contudo, pertencem mesmo ao acervo da Saul Steinberg Foundation e abrangem as décadas de 1940 a 1960. E há, ainda, os desenhos murais que o artista criou para a Trienal de Milão, de 1954. São quatro desenhos em rolos de papel em proporções arquitetônicas, que até agora nunca haviam sido expostos em conjunto: A Linha (com 10 metros de comprimento), Tipo de Arquitetura (com 7 metros), Litorais do Mediterrâneo (com 5 metros) e Cidades da Itália (com 3 metros). Detalhe: todos têm apenas 45 centímetros de altura.
Saul Steinberg nasceu no lugarejo romeno de Râmnicu-Sărat e mudou-se com a família para Bucareste, onde passou a infância e a adolescência. Estudou filosofia e literatura na Universidade de Bucareste por um ano e foi para Milão, onde viveu por oito anos e graduou-se em arquitetura. Na cidade italiana, publicou desenhos na revista satírica Bertoldo, o que lhe valeu certa fama – em 1940, por exemplo, publicou alguns desenhos na revista Sombra, do Rio de Janeiro. Em 1941, sob a ameaça do fascismo, deixou a Itália, chegando aos Estados Unidos via Santo Domingo. A revista The New Yorker salvou o cartunista durante a II Guerra. Ali deixou para trás os cartuns com legendas para fazer só desenhos. Um elogio? Os leitores consideravam seus desenhos como reportagens desenhadas.
Instituto Moreira Salles/RJ
até 21 de agosto
Pinacoteca do Estado de São Paulo
a partir de 3 de setembro
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