Se o Clima for Favorável

Foto: cortesia do American Acquisitions Committe 2012
A obra “10 Minutos”, de Allora e Calzadilla

O lançamento da 9ª Bienal do Mercosul | Porto Alegre, em agosto do ano passado, teve como ponto alto um ato simbólico com emissão de sinais de fumaça em frente ao prédio da Usina do Gasômetro, espaço cultural instalado em uma antiga usina de energia elétrica movida a carvão na beira do Guaíba. Foi pensando na origem dos modos de comunicação do homem que a mexicana Sofía Hernández Chong Cuy apresentava as primeiras ideias de sua curadoria, voltadas às tecnologias de informação.

Nove meses depois, no anúncio dos artistas convidados em maio deste ano, as luzes do Theatro São Pedro de Porto Alegre foram apagadas e pediu-se silêncio para que a plateia ficasse envolvida na transmissão de uma mensagem telepática pelo artista argentino Eduardo Navarro de sua casa em Buenos Aires. Entre estranhamento e alguns risos, a curadora comentou que algumas pessoas receberam a mensagem e, assim, sinalizou outros interesses de seu projeto curatorial, dessa vez o confronto entre ciência e aspectos sobrenaturais nas investigações e experimentações artísticas e o objetivo de usar formas de comunicação para atingir e envolver o público.

Em lugar de assumir propostas curatoriais, Sofía preferiu fazer promessas para a Bienal. Quer ela, com o título Se o Clima for Favorável, desenvolver relações entre arte e tecnologia, natureza e ciência, cultura e comunicação, a partir de artistas que especulam o desconhecido e lidam com fenômenos imprevisíveis e incontroláveis. O vigor do projeto será atestado ao longo dos dois meses da mostra, que ocorre de 13 de setembro a 13 de novembro.

“As relações entre descoberta e invenção dependem basicamente dos climas políticos. E isso também está relacionado com os climas emocionais de uma pessoa, uma cidade ou uma sociedade. Mas há várias circunstâncias sobre as quais não temos controle, nós como sociedade. Podemos prevenir certas coisas, mas não podemos estar de todo controlando circunstâncias que nos definem e caminhos que tomamos. Com isso, o slogan da 9ª Bienal quer sugerir que o clima pode ser político, atmosférico e também emocional”, diz a diretora artística e curadora-geral.

Sofía e o grupo de sete curadores selecionaram mais de 64 nomes, incluindo artistas contemporâneos, duplas e coletivos. Estão representados 26 países, com destaques para EUA (6), Argentina (6), Reino Unido (5), México (5) e Suíça (4). Há ainda artistas da Alemanha, da Austrália, da Bélgica, do Canadá, da Colômbia, da China, de Cuba, do Egito, do Equador, da Espanha, das Filipinas, da França, da Geórgia, da Holanda, do Líbano, da Lituânia, do Peru, da Polônia, da Tailândia e da Venezuela. São 15 os brasileiros, entre eles Beto Shwafaty, Cinthia Marcelle, Eduardo Kac, Erika Verzutti e Thiago Rocha Pitta. Os convites foram feitos por meio de telegramas. A relação também traz nomes históricos, como Robert Rauschenberg (1925-2008), Mira Schendel (1919-1988) e Tony Smith (1912-1980), que terão obras suas remontadas ou reapresentadas.

“É uma investigação curatorial teórica e geograficamente internacional, apresentando artistas que fazem investigações e experimentações. Todos trabalham com formas de invenção, mediação e colaboração, criando propostas muito interessantes ou já reconhecidas. Teremos três abordagens de como os artistas trabalham: artista como inventor, artista como colaborador e artista como mediador. Essas são as três aproximações em termos de critérios de seleção. E, assim, partimos para outros critérios, como o que o artista está criando, com quem está trabalhando, como está se comunicando, como está transformando percepções em termos de ideias, materiais, sociedade e política”, diz Sofía.

Ao mesmo tempo que acrescenta em seu nome a cidade de Porto Alegre, onde é realizada desde 1997, a Bienal dá sequência à sedimentação do caráter internacional. A abordagem desta edição não se relaciona a questões de território, fronteira e identidade na América Latina, que apareceram em maior ou menor grau ao longo das oito edições, e também tangencia o tipo de tom político que pautou, por exemplo, a 8ª Bienal do Mercosul, curada pelo colombiano José Roca, em 2011. O perfil de Sofía reforça a orientação cosmopolita impressa à mostra deste ano. Mexicana radicada em Nova York, ela é curadora de arte contemporânea da Coleção Patricia Phelps de Cisneros, baseada em Nova York (EUA) e Caracas (Venezuela), trabalhou na 13ª Documenta de Kassel (Alemanha, 2012) e integrou o júri recente da Bienal de Veneza (Itália, 2013).

“Questões de Estado, nação e fronteira são muito importantes, porque os artistas vivem em condições sociais e políticas distintas. Esses contextos informam a maneira com que os artistas trabalham e talvez o tipo de arte que fazem, mas não são temas das obras de arte e das exposições da Bienal. São dados e experiência que informam sobre a prática artística”, argumenta Sofía.

Seu projeto para a 9ª Bienal do Mercosul inclui seleção de obras já existentes e desenvolvimento de propostas especialmente para a mostra. Um dos eixos curatoriais é o projeto Island Sessions, que desde maio tem levado artistas, educadores, pensadores e outros convidados à Ilha das Pedras Brancas, mais conhecida como Ilha do Presídio. Localizada nas águas do Guaíba, a 2,5 km de Porto Alegre, mantém ruínas de uma prisão desativada em 1983. O local, que abrigou presos políticos durante a ditadura no Brasil, é considerado “uma força gravitacional” da 9ª Bienal. Nas expedições à ilha, a proposta é que os convidados produzam textos e imagens. Entre eles, estão nomes como os escritores Eduardo Bueno, Daniel Galera e Ismael Caneppele. Os artistas participantes trabalham com fotografia e vídeo, como Leticia Ramos, Fernanda Gassen, Danilo Christidis, Tiago Rivaldo, Katia Prates e Leonardo Remor. São considerados, pela Bienal, criadores e mediadores, que ajudam a fazer do site do evento não só um meio de divulgação de informações, mas também uma plataforma de apresentação de trabalhos, um canal de encontro entre artista e público. Alguns textos e imagens resultantes do Island Session já estão disponíveis no www.9bienalmercosul.art.br.

Para as exposições do eixo Portais, Previsões e Arquipélagos, a Bienal encomendou projetos a artistas que têm sido levados para dentro de indústrias e centros de pesquisa para realizar obras de forma colaborativa. Luiz Roque e a Audrey Cottin fizeram residências artísticas ao longo de algumas semanas em centos de pesquisa da PUC-RS, recolhendo informações e matéria-prima para a realização de seus trabalhos. A artista francesa ainda passou um mês conhecendo unidades da Celulose Irani, assim como a britânica Lucy Skaer, que interveio na linha de produção da fábrica de papel para embalagem, caixas e chapas de papelão ondulado e resinas. Cinthia Marcelle percorreu áreas de mineração e usinas de fabricação de aço da Gerdau. Daniel Steegmann Mangrané, espanhol radicado no Brasil, foi ao polo naval de Rio Grande (RS) para realizar uma pesquisa sobre o fundo do mar. Já a dupla de artistas holandeses Bik Van der Pol investiga as discussões e as práticas que envolvem o Orçamento Participativo da Prefeitura de Porto Alegre.

Esses trabalhos serão apresentados em exposições no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, no Memorial do Rio Grande do Sul, no Santander Cultural e na Usina do Gasômetro. Uma das sedes da Copa 2014, Porto Alegre transformou-se, como outras cidades, em um grande canteiro de obras. O projeto de reforma do Cais do Porto fez com que a Bienal deixasse o endereço histórico que mantinha desde a segunda edição, em 1999. A escolha de espaços institucionais que já receberam atividades da Bienal em edições anteriores sinaliza que, desta vez, o interesse do evento não é explorar novos espaços urbanos, ainda que ativar aproximações entre artistas e público seja um dos focos.

“Nas últimas edições, a Bienal já ocupou outros espaços. Essa coisa de tomar a cidade me remete a certo espírito colonialista, de chegar e tomar a cidade. Não sei se vamos nos apropriar da cidade, espero que a cidade se aproprie da Bienal. Estamos esperando que nos conquistem” (risos), diz Sofía.

SERVIÇO
Santander Cultural – Rua Sete de Setembro, 1028 – Porto Alegre. De terça a sábado, das 10h às 19h. Domingo, das 13h às 19h. Museu de Artes do Rio Grande do Sul – Praça da Alfândega – Porto Alegre. De terça a domingo, das 10h às 19h. Usina do Gasômetro – Av. Presidente João Goulart, 551 – Porto Alegre. De terça a sexta, das 9h às 21h. Sábado e domingo, das 10h às 21h. Memorial do Rio Grande do Sul – Rua Sete de Setembro, 1020 – Porto Alegre. De terça a sábado, das 10h às 18h. De 13 de setembro a 10 de novembro de 2013

 


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