Tamanho não é dOCUMENTA

Detalhe da instalação Leaves of Grass, do artista plástico canadense Geoffrey Farmer, na dOCUMENTA (13), de 2012. Foto: Patricia Rousseaux
Detalhe da instalação Leaves of Grass, do artista plástico canadense Geoffrey Farmer, na dOCUMENTA (13), de 2012. Foto: Patricia Rousseaux

O simpósio documenta 1997-2017: Erweiterte Denkkollektive/Expanding Thought-collectives, que aconteceu nos dias 17 e 18 de julho na documenta Halle, cidade de Kassel, marcou os 60 anos da mostra. Nos dois dias, propôs-se debater o que significa realizar uma documenta e por quais mudanças passou no período, a exemplo das últimas quatro edições. Como principais convidados estavam os diretores artísticos e alguns participantes, da documenta 10 a 14, que acontecerá em 2017.

Desde 1955, Kassel é sede da megaexposição que, sob comando de Arnold Bode, procurou devolver a arte moderna à Alemanha e reinserir o país no contexto da arte contemporânea, após os anos de nacional-socialismo, quando esse tipo de arte era proibido. Inicialmente realizada de quatro em quatro anos, a documenta de Kassel acontece, desde 1972, a cada cinco – primeiro ano em que a direção artística não esteve nas mãos de Bode, mas do lendário Harald Szeemann. Realizada em tal periodicidade, a documenta propõe uma desaceleração do processo de bienalização pelo qual passamos atualmente: “Fast done, fast consumable” (feita rapidamente, rapidamente consumível), nas palavras de Catherine David, diretora artística da documenta 10, de 1997.

Catherine David passou a expandir definições de cultura e arte e a extrapolar, não só simbólica, mas também territorialmente, as fronteiras da documenta. Pela primeira vez, a ideia de parcours foi introduzida, tirando o ato artístico de seu lugar expositivo comum, colocando-o em forma de passeio pela cidade. O Fridericianum Museum – o mais antigo edifício construído na Europa para abrigar um museu –, apesar de sua importância, começou a dividir espaço com outros sítios na cidade. Além disso, o time da instituição foi responsável por uma série de conversas – 100 dias, 100 convidados –, que aconteceram durante toda a duração do evento e procuraram debater diferentes assuntos relacionados a políticas e poéticas, como O Fim das Artes ou O Genocídio em Ruanda. Desse momento em diante, a documenta, mais do que uma exposição, tornou-se um tipo de encontro de saberes e um campo aberto à discussão da atualidade. Nas palavras de Carolyn Christov-Bakargiev: “Ainda não se tem um nome para isso, mas provavelmente essa não é mais uma exposição”. A documenta virou, então, uma ex-posição, lugar onde diferentes objetos encontram um novo contexto fora de sua posição anterior.

O duo Janet Cardiff & George Bures Miller, que teve uma importantíssima presença na documenta (13), reconstruiu no bucólico parque Karlsaue um espaço que permitia reviver os bombardeios que devastaram a alemanha durante o sistema nazifascista. Foto: Patricia Rousseaux
O duo Janet Cardiff & George Bures Miller, que teve uma importantíssima presença na documenta (13), reconstruiu no bucólico parque Karlsaue um espaço que permitia reviver os bombardeios que devastaram a alemanha durante o sistema nazifascista. Foto: Patricia Rousseaux

Esse posicionamento transforma-se a cada nova direção e, desde a primeira documenta do milênio, em 2002, extrapolam-se também as fronteiras da Alemanha. Dividida em cinco plataformas, e tendo como diretor artístico Okwui Enwezor, curador da atual Bienal de Veneza, a documenta 11 apontou para o lugar que é ao mesmo tempo chegada e partida. Esse lugar – a plataforma – é a fronteira que separa o chegar do partir, como uma zona de troca, em que verdades são postas em perspectiva, solo fértil para criação de novos conhecimentos. Em sua edição, Enwezor procurou incluir um grande número de artistas não europeus – principalmente africanos – e apenas a quinta e última plataforma aconteceu em Kassel e chamou-se exposição. A contribuição do curador nigeriano foi fundamental: a Europa, por meio dos olhos do primeiro diretor negro e africano de uma documenta, começou a perceber a existência e o valor de culturas extraeuropeias e descobriu – a contragosto europeu? – que pensar é inerente ao ser humano de qualquer território. Afinal de contas, nas palavras de Carolyn Christov-Bakargiev: “Quem precisa de um novo MoMA?”.

Bakargiev diz que uma documenta é um estado da mente, ou seja, um ato consciente. Para ela, a história da documenta passa necessariamente pela contínua expansão de fronteiras e que, se as suas antecessoras significaram uma expansão territorial, a documenta (13) pregou a quebra de barreiras epistemológicas. Nela, diferentes teorias de conhecimentos fundiram-se para questionar o que é conhecimento e como ele pode ser criado ou adquirido. A sua edição foi uma manifestação de uma nova maneira de ser – um encontro, não uma exposição –, coincidindo distintas formas de vida, arte e saber. Ao dizer “I see exhibitions as compost” (vejo as exposições como fertilizantes), Bakargiev sugere que a documenta é como um lugar de transformação, em que as antigas “gavetas” da História da Arte e do arquivo não funcionam mais, por não deixarem espaço para um processo de constante mudança. No final de seu discurso, Bakargiev questiona quais as histórias que queremos contar, a fim de que novas histórias sejam contadas. Assim, cada edição da mostra é um exercício de superação.

Esse exercício de se fazer uma documenta é quase uma tentativa de protocolar um momento atual – é como se nos mostrasse, de forma crítica e sensível, indícios do que acontece. Adam Szymczyk divulgou o tema da documenta 14 (2017), Aprendendo com Atenas, que em um primeiro olhar parece óbvio, se considerada a relação atual da Alemanha com a Grécia. Mas essa é mais do que uma relação bilateral e uma crítica rala por meio do atual diretor. O país, que hoje em dia manca economicamente, corre o risco de perder seu status de europeu, ainda que as origens do pensamento ocidental, como Filosofia, Matemática, Política e Economia, sejam fundamentadas principalmente na Grécia. Ao se questionar o lugar do país na zona do euro, evidencia-se que hoje em dia valor ou pertencimento estão pautados no dinheiro. Sair da região do euro significa necessariamente sair da Europa? Ou, ainda, da região civilizada?

Durante sua apresentação, intitulada Notes from an Extellectual, Szymczyk, contou três diferentes histórias de personagens em posições distintas de sua original – seja emocional, seja geograficamente –,- nas quais todos os nomes, de cidades e pessoas, foram generalizados com simples iniciais. Foram histórias sobre quando se é obrigado a sair de uma posição estável, devido ao “de repente” – aquele momento imprevisível de fronteira que nos faz ser, por um instante, outros. A próxima documenta deve ser um convite à compaixão não só pelo sentimento estrangeiro, mas uma compaixão para com cada um de nós que frequentemente nos tornamos “extelectuais” e nos encontramos em uma ex-posição. O que uma documenta propõe discutir pertence a todos.

No parque Karlsaue, em Kassel,  Sanatorium, do artista mexicano pedro REyes, é uma clínica transitória que fornece surpreendentes tratamentos breves que mesclam arte e psicologia. Para experimentar este projeto, você precisa se  inscrever como um paciente e participar em sessões individuais ou em grupo. da Psicossomática a um sistema de entrega de placebos. da confissão ao diz-que-diz inócuo. Da gestão da raiva à catarse social. atualmente, a obra está montada na exposição Invento – as Revoluções que nos Inventaram, apresentada na oca, no parque Ibirapuera em são Paulo. Foto: Patrica Rousseaux
No parque Karlsaue, em Kassel, Sanatorium, do artista mexicano pedro REyes, é uma clínica transitória que fornece surpreendentes tratamentos breves que mesclam arte e psicologia. Para experimentar este projeto, você precisa se inscrever como um paciente e participar em sessões individuais ou em grupo. da Psicossomática a um sistema de entrega de placebos. da confissão ao diz-que-diz inócuo. Da gestão da raiva à catarse social. atualmente, a obra está montada na exposição Invento – as Revoluções que nos Inventaram, apresentada na oca, no parque Ibirapuera em são Paulo.                                Foto: Patrica Rousseaux

 

 


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