“Todo ser humano também é uma bolinha”

Philip Larratt e Yayoi Kusama no estúdio da artista. Foto: Yayoi Kusama Studio
Philip Larratt e Yayoi Kusama no estúdio da artista. Foto: Yayoi Kusama Studio

Philip Larratt-Smith – Kusama, você é uma das artistas mais aclamadas e renomadas do mundo. Recentemente, fez uma grande retrospectiva organizada pela Tate Modern, que também foi exibida no Reina Sofia, no Centro Pompidou e no Whitney Museum. Além disso, teve uma colaboração muito bem-sucedida com a Louis Vuitton, que apareceu em todas as vitrines do mundo. No entanto, durante anos não recebeu nenhum tipo de reconhecimento e foi até mesmo esquecida. A que se deve isso?
Yayoi Kusama – Creio que se deve à doença psicológica da qual eu sofro desde criança. Depressão, transtorno de despersonalização e transtorno obsessivo-compulsivo. Uso minha arte para lutar contra todos esses transtornos. Minha arte sempre esteve na linha de frente e é tão inovadora que as pessoas não conseguem me acompanhar.

Hoje, vende muito bem, mas durante os anos em Nova York, viveu praticamente na pobreza. O dinheiro é importante para você? Se tivesse tido dinheiro antes, teria desenvolvido seu trabalho de forma diferente?
Os artistas sinceros sempre vivem conflitos psicológicos. Veja, por exemplo, Munch e Van Gogh, e eu não sou exceção. Esses artistas, nos quais eu me incluo, sentiram dor para criar sua arte, além do sofrimento psicológico e econômico.

Você viveu e trabalhou em duas grandes cidades: Nova York e Tóquio. No Japão, estudou e dominou a pintura Niponga, além de ter sido membro importante da vanguarda norte-americana. Você considera a sua arte um híbrido de tradições ocidentais e japonesas?
Não acho isso. Eu consegui estabelecer a arte de Yayoi Kusama, e depois de muito esforço. Lutei através da minha arte, do meu espírito e da minha filosofia e visão de mundo. 

De 1958 até o início da década de 1970, você viveu a maior parte do tempo em Nova York, depois retornou a Tóquio onde vive até hoje. Por que voltou ao Japão? Esse retorno teve algum efeito sobre seu trabalho?
Tenho sofrido e lutado contra a minha doença psicológica. O meu médico em Nova York era freudiano e, por isso, acabou destruindo a minha arte. Desde a minha volta ao Japão, tenho feito trabalhos maiores, apesar da minha doença.

Desde 1977, tem morado em um hospital psiquiátrico no bairro de Shinjuku, em Tóquio. Por que se internou lá? Quais são seus problemas psicológicos?
Quando eu estava crescendo, havia conflitos sérios na minha família, além de eu ter vivido no meio da guerra. Já na infância, tive de consultar um médico, mas consegui superar esses problemas através da minha arte.

Você acha que a doença é a fonte da criatividade? A sua doença possibilita um insight sobre a essência da vida, que não é compartilhado pela psicologia normal?
Existe uma conexão entre a minha doença e a minha arte. O trabalho Prisoner Surrounded by the Curtain of Depersonalization (Prisioneiro Cercado pela Cortina da Despersonalização), por exemplo, foi inspirado nas alucinações causadas pela minha doença. Eu reflito sobre a minha infeliz visão de mundo e projeto meus pensamentos na minha arte. Para superar a doença, reflito sobre o meu status psicológico e, através da minha arte, consigo vencer a infelicidade.

The Souls of Millions of Light Years Away
The Souls of Millions of Light Years Away

Muitos de seus trabalhos são cobertos por um único elemento, que é repetido obsessivamente: bolinhas, falo, um pedaço de macarrão seco. Por que você tem essa compulsão de repetir as coisas?
Essa repetição obsessiva é causada pela minha doença.

Muitas das suas esculturas são chamadas de “obsessão por comida” ou “obsessão por sexo”. Qual a relação entre comida e sexo na sua cabeça?
A relação entre os dois é um medo enorme. Eu repito a repetição obsessiva que vem do meu transtorno obsessivo-compulsivo.

Você sempre afirmou ter horror a sexo. De onde acha que vem isso?
Creio que isso é uma questão para um psiquiatra responder.

Do que você mais tem medo?
Tenho medo de que os críticos de arte e a mídia do mundo inteiro venham me visitar e, desta forma, me privar do meu tempo para criar.

O que torna o artista diferente das outras pessoas?
Como eu fico muito absorvida pelas minhas criações, acho inútil me preocupar com algo assim.

O artista tem de sacrificar a sua vida para produzir o seu trabalho?
Para mim, a arte de Yayoi Kusama é resultado de muita reflexão sobre arte e de uma incrível superação. Acho que ninguém no mundo é tão intenso em relação à arte quanto eu. Me entrego de corpo e alma às minhas pinturas, mas no resto do tempo preferia estar morta. No momento, e enquanto eu ainda tiver forças, estou lutando sem nem mesmo uma pausa para dormir, pois quero deixar a mensagem de Kusama Yayoi para as gerações futuras. Eu tive uma espécie de revelação de Deus me dizendo para fazer isso.

Você teve relações próximas com vários artistas do sexo masculino: Joseph Cornell, Donald Judd e Lucio Fontana, entre outros. O que essas relações significaram para você?
Eu me emocionava e me identificava muito com os pensamentos artísticos profundos desses artistas. Foi graças à generosidade e ajuda que eu consegui chegar até aqui.

Além de Georgia O’Keeffe, para quem você escreveu antes de vir aos Estados Unidos, há outras artistas mulheres cujo trabalho você respeita?
Até hoje, sou imensamente agradecida a ela por sua consideração. Ela me apresentou a vários críticos de arte e galerias importantes. Ela tinha um espírito muito nobre. Não acho que a distinção entre artistas homens e mulheres tenha importância.

Os títulos de várias de suas pinturas mais recentes fazem referência a guerra, destruição, caos e confusão. Você ainda se interessa por política? Acompanha os eventos mundiais? De onde vem essa iconografia apocalíptica?
Eu me interesso por política e observo e sigo tudo. Mantenho-me atualizada sobre o Oriente Médio e as políticas dos EUA e Japão. Eu leio muito à noite.

Você oficiou vários casamentos gays no fim dos anos 1960, quando a sodomia ainda era ilegal nos EUA. O que acha da legalização do casamento gay?
O primeiro casamento homossexual foi organizado por mim, com moda Kusama feita por mim. Isso foi há 40 anos em Nova York, e causou um impacto forte em muita gente. É bom que o casamento gay tenha sido legalizado.

Religião e espiritualidade têm algum significado para você?
A arte de Yayoi Kusama é minha religião. Já recebi revelações do mundo inteiro.

Você quer ser cada vez mais famosa. O que ser famosa significa para você?
Agora que fiquei famosa, meu tempo está cada vez mais sendo tomado por visitantes da mídia internacional. Eu tenho recebido muitos pedidos para fazer projetos de arte públicos e pinturas em murais. No entanto, tudo o que quero é ter tempo para criar.

Com que frequência pensa na morte? Já se declarou uma viciada em suicídio. Por que quer se matar? O que é o vício em suicídio?
Durante toda a minha vida, tenho pensado na vida e na morte todos os dias. Estou sempre tentando me matar. 

O que significa o conceito de self obliteration (autodestruição)? Significa desaparecer por completo ou se fundir harmoniosamente com o mundo?
Significa acabar com a minha existência e me fundir com o fluxo de tempo infinito, para finalmente retornar ao universo.

E as bolinhas? Elas têm algum significado simbólico? São buracos no espaço?
As bolinhas são sólidas e infinitas. Elas são uma forma de vida. O Sol, a Lua e as estrelas são uma de centenas de milhões de bolinhas. Todo ser humano também é uma bolinha. As bolinhas não podem existir sozinhas, mas ao juntarmos algumas, elas passam a existir. Eu admiro muito a sua ‘infinitude’ e me emociono muito com a presença grandiosa do universo e seu poder misterioso .

Os desfiles de moda que organizou nos anos 1960 e as roupas que criou já davam indícios da sua colaboração com LVMH (Moët, Hennessy e LouisVuitton). O que a moda significa para você?
Eu me senti atraída pela sinceridade de LVMH. Eles enfeitam a vida nova e a figura do amor com ideias filosóficas. Eles compartilham da mesma atitude que a minha moda.

Você usa, frequentemente, espelhos em seu trabalho. Por que o espelho te interessa?
Os espelhos refletem um mundo desconhecido para nós. São verdadeiramente misteriosos.

Nos últimos anos, você voltou a pintar com força total. Por quê?
Eu não estou somente pintando. Estou fazendo esculturas elétricas e esculturas externas de grande porte. Minha arte é uma mistura de vários meios.


Comentários

Uma resposta para ““Todo ser humano também é uma bolinha””

  1. Avatar de Adriana Woll
    Adriana Woll

    Ola Redacao,
    gostaria de sugerir a seguinte pauta.
    Cordialmente,
    Adriana Woll

    Sugestão de pauta

    Do outro lado da bola
    Adriana Woll, Monica Rizzolli, José de Quadros e Ronaldo de Carvalho, quatro artistas plasticos brasileiros residentes na Alemanha, criaram várias obras cujo tema principal é a Copa do Mundo no Brasil e seus desdobramentos. O olhar atento e crítico dos artistas é percebido nas cenas reais que parecem surreais aos olhares europeus onde ondas de protestos contrastam com a alegria, confraternização e expectativa da Copa de 2014. Ao visitante cabe decodificar as diversas formas de representação de uma Copa que ficará marcada na história do futebol e do Brasil.

    Exposição de Arte

    Vernissage: 07/06/2014 18h
    Duração: 08/06 a 31/08/2014
    Nome do evento: Do outro lado da bola

    Coletiva dos artistas:

    Adriana Woll
    Monica Rizzolli
    José de Quadros
    Ronaldo de Carvalho

    Local: Galerie Monika Beck
    Endereço: Am Schwedenhof 4, 66424 Homburg/Saar-Schwarzenacker – Alemanha
    De quarta a sexta das 16-20h e domingos das 16-18h, ou com horário marcado

    Diretor : Dr Christopher Naumann
    Telefone: 00 49 6848 72152
    galmb@comebeck.com
    http://www.galerie-monika-beck.de

    Curriculuns e fotos pode ser baixados no link abaixo
    http://we.tl/ZuU9BjKubQ

    Legenda das obras em anexo ou no link:

    Adriana Woll
    Título: Time de um garoto só
    Medida: 70×70
    Técnica: Acrilica sobre tela
    Ano: 2013

    José de Quadros
    Título: Calango do futebol (tríptico do Futebol)
    Medida: 100 X 150 + 130 X 150 + 100 X 150 cm (tamanho total: 330 X 150 cm)Técnica: Lápis, carvão, óleo e acrílico sobre linho,
    Ano: 2006

    Monica Rizzolli
    Título: Praia cheia e vazia
    Medida: 40x40cm
    Ano: 2013

    Ronaldo de Carvalho
    Título: Uniao e expressao
    Medida: 90cm x 60cm
    Técnica: Mista (acrilica e óleo sobre tela)
    Ano: 2013

    Contato
    drwoll@hotmail.com
    Adriana Woll

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