Trabalho comunitário

A fronteira entre espaço urbano e rural é rompida inusitadamente por meio de uma atuação em espaço público que vai além de performance, de ocupação, de demonstração. O artista argentino de origem tailandesa Rirkrit Tiravanija descreve sua participação e seu trabalho em frente ao pavilhão principal da mais significativa feira de arte internacional, a Art Basel, como sendo um workshop. Este, porém, acontece sem uma escala hierárquica e sem uma existência intrínseca ao local de sua ocorrência.

Do We Dream Under The Same Sky é uma cozinha comunitária a céu aberto. Nela, os alimentos disponíveis são coletados de centros de reaproveitamento de produtos descartados pelo mercado usual de consumo. A coleta é uma iniciativa de estudantes da escola de arte Städelschule de Frankfurt e da escola de arte de Basel, que já possui um projeto social de recolhimento e distribuição de alimentos em seu cotidiano. Uma cidade do primeiríssimo mundo como é Basel possui até geladeiras comunitárias no espaço público para que pessoas possam depositar aí aquilo de que não mais necessitam, por exemplo, o que estava em sua geladeira no momento de partir de férias. Enquanto isso, outras pessoas comuns vão a essa geladeira e retiram o que necessitam por um custo zero.

"Do We Dream Under The Same Sky", Rirkrit Tiravanija
“Do We Dream Under The Same Sky”, Rirkrit Tiravanija

Os produtos disponíveis na cozinha comunitária em frente à Art Basel têm essa procedência. A atuação comunitária se estende aos transeuntes que desejam aí colaborar e cozinhar algo para si e os outros. Os que preferirem simplesmente se alimentar, gratuitamente, também são bem-vindos, contanto que lavem a louça após o uso.

Sabe-se que mesmo uma cozinha tradicional doméstica atrai sempre os grupos, as conversas e os debates mais interessantes. A comida e o ato da alimentação atraem e unem as pessoas. Porém Rirkrit Tiravanija atua em um contexto muito mais amplo além dessa fachada exótica montada com estrutura de bambu. Ele chama a atenção para um dos elementos primordiais na existência humana, que deveria ser de fácil acesso para todos, enquanto sabemos que grande parte da população mundial passa fome, sem falar da produção em excesso e dos incentivos que certos países dão a esse setor.

"Untitled 2015 (14,086 Unfired)", Rirkrit Tiravanija
“Untitled 2015 (14,086 Unfired)”, Rirkrit Tiravanija

Não basta criticar sem atuar. A cozinha de Basel – um work in progress, de modo semelhante à obra com tijolos Untitled 2015, primeiramente apresentada por Tiravanija em Beijing (2010) e agora replicada na Bienal de Veneza – é um protótipo do projeto comunitário que o artista e seu colega Kamin Lertchaiprasert criaram no norte da Tailândia, a 20 km de Chiang Mai, programa de residência artístico denominado The Land. Esse há de ser um ambiente autossustentável surgido da comunidade artística local e internacional que aí atuar, a fim de criar um espaço cultivado autônomo sem estar interligado à tradição de propriedade, e disponível à discussão e experimentação. Esse novo “campo social” deverá ser um híbrido entre inovação e tradição, unindo materiais e tecnologia contemporânea com práticas ancestrais.

Detalhe de "Untitled 2015 (14,086 Unfired)", Rirkrit Tiravanija/Foto: Patricia Rousseaux
Detalhe de “Untitled 2015 (14,086 Unfired)”, Rirkrit Tiravanija/Foto: Patricia Rousseaux

A atuação temporária em frente à Art Basel ocorreu também para sensibilizar o público diferenciado do colecionismo de arte internacional para apoiar o projeto LAND por meio de doação, e criar uma estrutura a ser compartilhada por todos como um espaço comunitário, igualitário e supostamente mais duradouro do que o vivenciado na cidade suíça.


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