Pela primeira vez três artistas indígenas concorrem ao Prêmio PIPA, uma das maiores premiações de arte contemporânea do País. Jaider Esbell, da etnia macuxi, Isaías Sales, do grupo dos Kaxinawá, e Arissana Pataxó, cujo sobrenome homenageia a sua etnia, foram indicados à categoria online do PIPA. Eles passaram pela fase inicial da disputa e agora competem com mais sete artistas. Em suas obras se destacam as cores fortes, a escala e a figuração. Os três estudaram em universidades federais, compondo a cota ainda pequena de indígenas que chegam ao ensino superior.
Arissana Pataxó conta que ingressou na universidade através do sistema de cotas e que, no começo, enfrentou resistências. “Há sempre quem alegue que o índio não precisa estudar, pois pode perder a sua cultura. Não concordo com esse argumento, o estudo também é uma saída para os povos indígenas. Nós conquistamos o direito à educação e precisamos garanti-lo. A noção de que se deve manter uma tradição pura é ultrapassada. A cultura está em movimento, ela não é estática”, afirma.
A ideia de uma cultura múltipla, em constante transformação, também é mencionada por Esbell: “A identidade indígena não é simples. São várias tradições, um palco extremamente complexo de inteirações sociais, costumes, habilidades e práticas que passeiam por todas as esferas possíveis e inimagináveis. Tais relações vão da ponta da teia da ancestralidade até ao último alcance da nano tecnologia. Há uma grande tentativa de simplificação, um discurso uniformizador que se mostra insustentável. Mas eu afirmo e demonstro em meu trabalho que a variedade existe. Assim como há o índio que anda nu pela floresta, há também aquele que vive na cidade e na aldeia”, afirma.
Arissana também se pergunta sobre a identidade do índio na contemporaneidade. “Até hoje ainda se acredita que no Brasil só há índios na Amazônia. Isso sempre me incomodou, por isso fiz uma obra que se chama O que é ser índio pra vc?. A verdade é que as pessoas sempre querem enquadrar o índio em um perfil exótico. É quase como se dissessem: ‘você não é índia porque não tem uma etiqueta de identificação’. Percebi que cada pessoa tem um índio fictício na sua cabeça”, conta.
Em seus trabalhos, os artistas também propõem uma outra concepção de tempo, associada à arte contemporânea indígena. Segundo o curador do PIPA, Luiz Camillo Osório, a modernidade se baseou em uma temporalidade linear que dividia o país entre o avanço e o atraso, ignorando as culturas que não aderiram a essa lógica do progresso. “No contemporâneo, começamos a pensar em um tempo que não seja o hegemônico. Ao lidar com diferentes culturas, entramos em contato com ritmos distintos. Diante da crise do ocidente, é importante começar a perceber esses novos tempos e como eles podem propor alternativas ao modelo desenvolvimentista que claramente está destruindo o planeta”, defende.
Há aqui uma proposta de questionar a própria história da arte e sua perspectiva eurocêntrica, como afirma Esbell: “Nossa arte tem ancestralidade, viaja no tempo como telepatia, é carregada de informações que nos remetem ao êxtase do xamanismo e está a frente de tudo, muito antes da ideia da arte europeia”, afirma.
A segunda fase da votação online do PIPA acontece de 31/7 a 7/8. Independentemente do resultado, as obras desses artistas reforçam a autonomia do discurso indígena, como ressalta Esbell: “Mesmo que essa conversa não seja publicada, eu a coloco no meu site. O índio já fala por si próprio há muito tempo, falta ainda que queiram ouvi-lo”, ironiza.
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