Um Dia Como Outro Qualquer ou sem medo da brasilidade

Tomando para si a máxima da artista americana Jenny Holzer, “Low expectations are good protection” (baixas expectativas são a melhor proteção), Rivane Neuenschwander caiu na estrada do circuito de arte dos Estados Unidos movida por uma originalidade narrativa notável que envolve, entre outros, materiais folclóricos como as fitinhas do Senhor do Bonfim, retiradas de seu habitat natural, na Bahia.

Um Dia Como Outro Qualquer já foi exibida no New Museum, em Nova York, depois no Mildred Lane Kemper Art Museum, em St. Louis, chegou ao Scottsdale Museum of Contemporary Art, em Scottsdale, e atualmente está no Miami Art Museum. Com um diálogo estrutural entre o espectador e seu desejo, a performance reforça a dualidade entre a narrativa profana e o gesto espiritual. Com a instalação Eu desejo o seu desejo, Rivane provoca o visitante e o faz refletir sobre o exercício contínuo e progressivo do desejo – espiritual ou material.
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A estética em questão apoia-se no ímpeto motivacional do espectador e subverte-se num dos exemplos bem acabados sobre a sinceridade de uma obra que não tem medo de usar elementos artesanais para gerar uma arte de ponta, sem cair no popular. Ainda coloca a pá de cal no antigo e equivocado conceito de que a América Latina tem artista, mas não arte; um bordão de alguns críticos europeus e norte-americanos que visitavam a Bienal de São Paulo, em décadas passadas.

Numa atitude corajosa, Rivane usou fitinhas do Senhor do Bonfim – suvenir e amuleto típico da cidade de Salvador, representação simbólica, estética e espiritual das raízes africanas da Bahia. Cada cor simboliza um orixá. Verde escuro, por exemplo, é Oxóssi; azul claro, Iemanjá; amarelo, Oxum e assim por diante. Enquanto o público enrola a fita no pulso e dá três nós, ele pode fazer três pedidos. Mas para ser atendido pelo Senhor do Bonfim, não pode tirá-la até que o tempo de uso a desate naturalmente. Este ritual mexe com sentimentos, intimidades, lembranças e reforça a forma com que Rivane trabalha, sempre abrindo espaço para a intervenção do público.

A exposição abarca mais de dez anos de arte, entre pintura, foto, cinema e instalações, que mesclam o rigor conceitual com o apelo sensorial. Um Dia Como Outro Qualquer fala das crenças, da esperança e do jogo da vida, tudo orquestrado com originalidade e experimentação – talvez por isso chame tanto a atenção da crítica internacional. Rivane gosta de trabalhar com o que está além dela mesma; neste caso, o público. “Sempre me impressiona, em qualquer exposição, a generosidade do visitante em aceitar as minhas propostas”.

Com sobrenome difícil de se pronunciar, Rivane é um exemplo do caldeirão étnico do povo brasileiro. Descendente de indígenas, portugueses e suíços-alemães – daí o sobrenome complicado -, ela não para. Como artista residente no Royal College of Art, em Londres, de 1996 a 1998, Rivane obteve o título de mestre depois de se formar na Escola de Belas Artes, em Belo Horizonte. Seu cotidiano é quase frenético; quando não está expondo no exterior, está cumprindo uma agenda profissional movimentada. Agora, por exemplo, foi difícil de localizá-la na Suécia, onde está com toda a família. No país nórdico, ela estudou, em 1999, no Iaspis – International Artists Studio Program in Sweden, em Estocolmo. Desde 1990 tem participado com regularidade de exposições de grande repercussão, como a Bienal de Veneza por três vezes, Bienal de São Paulo e no Palais de Tokyo, em Paris. No ano passado ela ocupou os três andares do New Museum com essa mostra que chamou a atenção do The New York Times. Numa crítica favorável, eles a compararam a outros dois brasileiros: Lygia Clark e Hélio Oiticica. Nada pouco para uma artista mineira, de 42 anos, que permaneceu em Belo Horizonte trabalhando silenciosamente e se projetou internacionalmente, sem sair de seu Estado natal, com poucas exposições individuais no eixo Rio-São Paulo. Parece que Rivane não precisa de fitinhas, já está incensada pelo Senhor do Bonfim.


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