Começamos a pensar esta edição num momento em que a polarização política nas ruas passava a se reproduzir também na cena artística do País. No final de março, um grupo de profissionais das artes visuais, organizado nas mídias sociais, elaborava colaborativamente um manifesto em que denunciava a ação jurídico-midiática contra o Estado de Direito. O grupo Artes Visuais pela Democracia se tornaria plataforma de debate, expondo cisões e retomando a questão dos entrelaçamentos nem sempre evidentes, muitas vezes contraditórios, entre discurso e prática, pensamento e obra, autonomia e heteronomia dentro do campo das artes. Momentos de ruptura são sempre produtores de reflexão e oportunidades. Diante da perplexidade causada pela conjuntura atual, a sociedade parece tentar encontrar novas formas de se agrupar e expressar. Esta edição traz alguns artigos que rememoram movimentos fundadores de novas tendências na história da arte no século XX. É o caso da matéria de Mariana Tessitore, nova integrante da equipe ARTE!Brasileiros, sobre a Manifesta 11, de Zurique, que comemora o centenário do Dadaísmo falando de trabalho e comissionando 30 artistas para desenvolver obras inéditas em parceria com profissionais locais. Aqui e agora, artistas trabalhando com práticas coletivas e socialmente engajadas criam novas forças de expressão. O sul-africano Haroon Gunn-Salie, cuja exposição foi desenvolvida em colaboração com as vítimas do desastre de Mariana, foi o primeiro a chamar nossa atenção. A partir disso, Marcos Grinspum Ferraz conversou com quatro artistas selecionados para a Bienal de São Paulo deste ano que estão desenvolvendo projetos em parceria com comunidades. A crítica ao trabalho e sua precarização são abordadas por Nuno Ramos em nova exposição, Direito à Preguiça, na matéria de Fabio Cypriano. O caos de Jorge Macchi e as palavras incontidas de Gustavo Speridião parecem se entrelaçar a essas ideias, enquanto o trabalho de Matheus Rocha Pitta nos convida a descobrir, no vazio e na escuridão, outras formas de ver e agir. A ARTE!Brasileiros, como promotora de cultura, decide, na contramão da narrativa da crise, mudar de perspectiva e aceitar a provocação de Rocha Pitta, para pensar em como transformar a contingência, a incerteza e a precariedade em potência. Diante do caos, resta tentar refundar nossas formas de estar junto, colaborar e agir coletivamente, seja através da política,seja através da arte, ou no entrelaçamento de ambas.
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