Universo Particular

Em meados dos anos 1970, ainda adolescente, a artista plástica Fabiana de Barros descobriu uma caixa com cerca de 400 negativos de fotografias feitas por seu pai, o também pintor e designer Geraldo de Barros (1923-1998). O achado era precioso. Lá estavam as Fotoformas, experimentações pioneiras feitas por Barros entre os anos 1940 e 1954, em que ele fotografava, depois cortava os negativos, riscava-os, desenhava sobre eles, criando obras que se confundem com gravuras ou até mesmo pinturas.

“Eu era adolescente, trabalhava um pouco como sua assistente, e foi uma surpresa saber que ele também havia sido fotógrafo. Com essas intervenções, naquela era pré-Photoshop, Geraldo faz uma passagem de artista moderno para contemporâneo”, ressalta Fabiana, que hoje vive entre São Paulo e Genebra, na Suíça, de onde cuida do acervo de seu pai, em parte abrigado pelo Instituto Moreira Salles (IMS). “Após descobrir os negativos, fiz cópias e mostrei para ele, que ficou muito feliz, acabou encomendando reproduções profissionais”, lembra.

Fabiana conta também que, nos anos 1990, já vivendo na Europa, conheceu muitas pessoas ligadas ao universo da fotografia, inclusive seu marido, o cineasta Michel Favre, que em 1999 dirigiu o documentário Geraldo de Barros – Sobras em Obras. Os trabalhos de seu pai já atraíam a atenção do outro lado do Atlântico e, com o pai doente, a artista resolveu retomar a velha caixa de negativos. “Era uma maneira de reanimá-lo, de mantê-lo vivo. E aquele material já completava 50 anos, havia brasileiros de meia-idade que não conheciam o trabalho de Geraldo como fotógrafo, tampouco os jovens. Ele era mais lembrado como pintor, designer e artista gráfico naquele momento.”

Foi nesse momento que nasceu a série Sobras. Em seus últimos anos de vida, Geraldo revirou gavetas e, a partir de velhos negativos de férias em família, de viagens, etc., voltou a cortar, desenhar, colar, reenquadrar. Esse material pode ser visto pela primeira vez na mostra Geraldo de Barros e a Fotografia, feita em parceria com o IMS do Rio e o SESC e em cartaz até o fim de maio no SESC Belenzinho, de São Paulo. A exposição traz outras experiências do artista, como suas Fotoformas, apresentadas em 1951, no MASP, em uma das primeiras vezes em que fotos foram exibidas como arte no Brasil. Por fim, o SESC também abriga as pinturas que ele fez a partir fragmentos de outdoors nos anos 1960 e 1970. Todas essas imagens foram reunidas no livro homônimo à mostra, lançado pelo IMS e pelas Edições SESC, de São Paulo.

Tanto a organização do livro quanto a curadoria da mostra ficaram a cargo de Heloisa Espada, pesquisadora a quem Fabiana reputa grande importância neste projeto de recuperação e visibilidade para o acervo fotográfico de seu pai. “Faltava-me coragem para mostrar as imagens, sobretudo as Sobras, porque eram muito frágeis, e, nesse projeto, a Heloísa acabou trazendo um grande estímulo. Ela começou sua pesquisa para uma tese de mestrado ainda nos anos 1990, poucos críticos o estudaram tanto. Procurou nossa família e podemos, enfim, levar adiante.”

Exposição aberta, livro lançado, Fabiana fez uma seleção de imagens para ilustrar esta matéria na ARTE!Brasileiros. Observando-as, ela comenta especialmente os trabalhos da série Sobras: “Com a morte dele, pude entender o que ele buscou fazer em seus últimos dias de vida com aqueles negativos tão pessoais, às vezes até bobas. Ele sentiu uma grande necessidade de não deixar imagens perdidas, soltas. Mas não queria tratá-las como restos, que se joga fora. E sim recolher aquelas sobras da vida e reaproveitá-las, tirando o caráter privado e criando imagens universais. Algo que ele fez com a arte dele o tempo todo”.

Geraldo de Barros e a Fotografia
Até 31 de maio
SESC Belenzinho
Rua Padre Adelino, 1000 – Belém – São Paulo – SP
11 2076-9700 – sescsp.org.br/belenzinho


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