“Através” relata transformação da sociedade cubana

Foto: Divulgação
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Resultado de uma detalhada e exaustiva produção, o filme independente cubano-brasileiro Através mostra sua força antes mesmo de invadir as telas do cinema. Fruto de uma longa negociação entre os diretores André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella com o governo de Cuba para autorizar a gravação das imagens no país caribenho, o longa – que mescla ficção com documentário – conta a história da jovem Cintia, que vivencia um período conturbado de transição após a ilha permitir a viagem de seus cidadãos ao exterior em 2012.

“Ficamos seis meses tentando a autorização com o governo e conseguimos nos minutos finais do segundo tempo, já com as passagens compradas. Mesmo assim o esquema era só em Havana, eles desaconselharam a gente a continuar o filme em outras cidades. Mas decidimos seguir de uma forma meio clandestina para poder gravar”, conta o diretor do longa, André Michiles, em entrevista à Brasileiros.

O filme tem estreia programada para o 10º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, que começa nesta quinta-feira (30), e vem à tona em um momento ímpar da história cubana: no último dia 20 de julho Estados Unidos e Cuba oficializaram uma nova era na relação entre as duas nações e reabriram suas embaixadas nas respectivas capitais. O feito aconteceu 54 anos após o fechamento das instituições diplomáticas, rompidas muito em função da Revolução Cubana de 1959.

“Nós queríamos fugir de uma visão turística, de quem enxerga Cuba de fora. Então a atriz, além de ser dirigida por nós, tinha suas próprias opiniões como jovem cubana que ela podia usar o tempo inteiro. É o que dá um realismo em toda a história”, contou o diretor, ressaltando a influência do documentário na trama.  “A única ficção é a pretensão da Cintia de viajar, o resto é realidade.”

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A jovem Cintia pelas ruas de Cuba – Foto: Divulgação

Através relata uma sociedade cubana que, para muitos, mesmo que lenta e gradualmente, modificará em função da penetração do capitalismo. Cintia, interpretada pela atriz Cinthia Rodriguez Paredes mesclando atuação com sua vida real, é uma jovem cubana que enfrenta um certo dilema existencial, onde não sabe se quer resguardar suas origens permanecendo no país ou fincá-las em outra nação. A jovem parte então para uma viagem onde atravessa boa parte do país, passando por cidades como Camaguey, Santiago de Cuba, Santa Clara e Bayamo, a fim de esclarecer suas ansiedades.

Em uma das cenas mais tocantes do filme, onde nota-se explicitamente a tendência documental da produção, Cintia visita seus avós, que também são seus avós na vida real, na cidade de Cienfuegos. Lá, a jovem expõe sua vontade de deixar o país para viver em outro lugar e logo é confrontada pelos parentes. Neste momento, o avô dela, de 99 anos, que se diz um “moncadista”, evidencia toda sua devoção à pátria e mostra, orgulhoso, sua credencial de “trabalhador de vanguarda” da Revolução, contando que dedicou toda sua vida à mudança de um sistema.

A visita aos avós só aumenta a contradição na cabeça da protagonista. Chegando à Cienfuegos, a jovem encontra a cidade completamente devastada, aparentando estar em reforma, mais um reflexo da abertura econômica de Cuba. A avó logo explica: “Estão trocando tudo, vão colocar até placas.” Contudo, em uma tacada do filme para suscitar novamente a discussão sobre a permanência da personagem, Cintia e os avós logo desviam o olhar para a pequena televisão que transmite o campeonato de beisebol, esporte mais tradicional de Cuba.

Uma proposta da película que é pouco comum quando se trata de diagnosticar a pequena ilha caribenha é a análise crua da sociedade cubana sem qualquer tipo de estigmatização. As casas por onde a personagem passa são invariavelmente equipadas com DVDs e televisores, revelando uma faceta do consumo pouco difundida pelos meios de comunicação. Esta ideia ainda é sustentada em uma pequena cena da protagonista rondando pelas ruas de Camaguey, onde encontra diversas lojas multinacionais.

“Sempre colocam Cuba em um papel de vilão da história. Eu, como apaixonado por Cuba, reparei que a maioria dos filmes mostram um personagem insatisfeito com o país e querendo ir viver em outro lugar. Então eu pensei ‘vamos fazer um filme que a personagem quer ficar’”, argumentou Michilles. “Existe toda uma vida em Cuba que não é mostrada pela grande mídia”, completou.

Serviço – Filme “Através”

Direção: André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella
2 de agosto, às 21h30 no Cinesesc Augusta
5 de agosto, às 16h no Cinusp – Cidade Universitária
Gratuito (os ingressos começam a ser distribuídos 1h antes da sessão)


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