Longa “Neruda” relata história “quase esquecida” do poeta

Poucos conhecem a história do jovem chileno Ricardo Eliécer Neftalí Reyes e sua paixão avassaladora pela poesia e pela língua escrita. Mas, não há dúvidas de que quase todo cidadão sul-americano já ouviu dizer o nome Pablo Neruda, o pseudônimo de Reyes, considerado por muitos um dos maiores poetas de todos os tempos. Não só poeta e escritor, Neruda também participou ativamente da vida política do Chile, faceta pouco mencionada do artista que ocupou diversos cargos de importância no país e passou por um dos momentos mais aterrorizantes de sua vida por causa de suas posições ideológicas.

O longa Neruda, dirigido por Manuel Basoalto e com estreia prevista para 4 de julho no Brasil, trata justamente deste momento ímpar na trajetória do poeta, que viu sua própria vida em risco devido ao autoritarismo de um governo. O filme traça uma linha que parte das convicções de Neruda em relação à sociedade chilena e culmina na nostalgia do poeta sobre sua infância, já no exílio e tentando fugir do país, no período conturbado da Guerra Fria.

Neruda, a primeira ficção que trata do poeta, interpretado por José Secall, toma como ponto de partida o discurso do artista quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1971, e relatou uma história “quase esquecida”: a de como ele fugiu do Chile em função da perseguição política do presidente González Videla, quando ocupava o cargo de Senador da República, em 1948. O filme ainda aborda uma transformação artística do poeta, que via seus trabalhos muito próximos da burguesia chilena e cada vez mais afastados do operariado.

Pablo Neruda começou sua carreira na política em 1927, quando foi nomeado cônsul-geral do Chile em Rangún, na Birmânia (atual Myanmar). Neruda continuou como diplomata em Madrid, durante o período da Guerra Civil Espanhola, e depois no México, onde foi embaixador de 1940 a 1942. Em 1945 se candidata ao Senado pelo Partido Comunista, este que fazia parte de uma ampla coalizão política, a Frente Popular, que apoiou José Antonio Ríos Morales para a presidência do Chile. No mesmo ano Neruda é eleito Senador pelas províncias de Taparacá e Antofagasta.

Contudo, com a morte precoce de Ríos Morales em 1946, sobe ao poder Gabriel González Videla, vivido por Max Corvalán, e inicia-se assim um período sombrio na política chilena. O presidente Videla manda destruir e fechar as gráficas e os sindicatos, censurar a imprensa e prender qualquer um, inclusive políticos de sua própria base aliada, que não concordasse com sua postura. Dentre eles, Neruda, que se torna um dos mais procurados do Chile devido a sua popularidade e sua posição audaciosa contra as arbitrariedades de Videla.

O ponto crucial do rompimento de Neruda, e de outros líderes da Frente Popular, com o presidente González Videla foi a instauração de um campo de concentração para presos políticos na região de Pisagua, em 1947. A partir deste momento Neruda começa a proferir grandes discursos no Senado atacando Videla, dentre eles o famoso “Yo Acuso”, em que chama o governo de “totalitário” e diz que no Chile não se tem liberdade de expressão.

Menos de um mês depois deste discurso, Videla pede à Suprema Corte do Chile para cassar o mandato de Senador de Pablo Neruda e prendê-lo, e é acatado. Começa assim uma jornada do poeta para escapar do Chile e tentar reencontrar a liberdade em outro país. Devido a grande repercussão em torno da perseguição do poeta e o empenho do governo chileno em encarcerá-lo, Neruda enxergou na Cordilheira dos Andes uma das poucas chances de fugir em direção à Argentina. O artista então viaja ao Sul do país em busca das imensas montanhas, e reencontra lugares de sua infância que relembram o início de seu amor pela poesia.

Vale ressaltar que, poucos meses depois da expedição da ordem de prisão contra Neruda, o presidente Videla sancionou a Lei de Defesa Permanente da Democracia, conhecida também como “Lei Maldita”, que colocava o Partido Comunista do Chile na ilegalidade.

O longa também faz uma menção a metamorfose que a poética de Neruda sofre com a decorrência do tempo. Muito influenciado pela perseguição política que sofre, além da completa desilusão causada pela traição do presidente Videla, Neruda começa a dar um tom mais político (também) a sua obra. Durante boa parte de sua vida, incluindo com certo vigor o período em que ficou na clandestinidade, se escondendo e viajando por diversas pequenas cidades no Sul do Chile em direção a Cordilheira dos Andes, Neruda escreveu Canto Geral, uma espécie de manifesto poético que explicita, além da traição de Videla, as inúmeras injustiças históricas provenientes do imperialismo e do colonialismo que permearam o continente sul-americano desde a sua invasão.

Não se sabe exatamente como se desdobrou esta escapada de Neruda através da Cordilheira dos Andes, mas o poeta apareceu em Paris, em fevereiro de 1949, e, em abril do mesmo ano, foi nomeado para o Conselho Mundial da Paz. Restou a Videla dizer que o Neruda que estava na França era um impostor, e que o verdadeiro estava a um passo de ser preso pelas autoridades chilenas. A história tratou de mostrar quem foi realmente importante para o Chile e para a América Latina.

Serviço – Filme “Neruda”
Chile, 2014, ficção
Direção: Manuel Basoalto
Duração: 97 min
Estreia no Brasil prevista para 4 de julho

Assista ao trailer de “Neruda”:



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