Charles Dickens (1812-1870) sabia do que estava falando quando descrevia, em seus romances, a pobreza e a miséria da Londres da era industrial. Ele mesmo teve de trabalhar aos doze anos de idade numa fábrica de graxa para sapatos, em péssimas condições, depois que sua família foi presa por causa de dívidas não pagas.
Então não é de se estranhar que ele tenha se voltado para a causa das mulheres sem-teto, ao criar, junto com a Baronesa Burdett-Coutts, sua amiga, um lar provisório para elas, onde poderiam não apenas abrigar-se, mas aprender um ofício para depois encontrarem trabalho ou marido. Muitas de fato conseguiram.
A iniciativa chocou os puritanos ingleses, que consideravam natural que instituições desse tipo, como o sinistro orfanato de Oliver Twist, fossem tocadas a maus tratos e indiferença quanto à higiene e boa alimentação. Havia, provavelmente, um misto de sadismo elitista e a ideia de que a vida dura fortalece o espírito.
Pois Dickens, que teve dez filhos, fez exatamente o contrário. Chamada de Urania Cottage, e fundada em 1847, sua moradia para as moças sem-teto, a maioria delas desempregadas, ex-presidiárias ou ex-prostitutas, tinha piano e uma preocupação clara com o conforto e a saúde de cada uma, além da educação.
Havia até mesmo a recomendação de que não as perturbassem com muitas perguntas sobre seus passados, certamente traumáticos. Mas há indícios de que o próprio escritor, a despeito das melhores intenções, se apropriou de algumas histórias e as incluiu em seus livros. O que, convenhamos, não diminui o mérito de seu projeto filantrópico.
A carta, endereçada à administradora da casa, mostrando a orientação específica do autor para que uma nova hóspede recebesse as vestimentas adequadas, será leiloada na Christie’s, no próximo dia 21.
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