O leitor examina o singular objeto que tem em mãos: surpreende-se diante de dois livros, com suas costuras intencionalmente à mostra, acondicionados em uma luva (caixa retangular) de duas faces. A edição requintada revela em si o tema comum aos autores: a paixão pelos livros.
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Entre tantas histórias saborosas, Marisa Midori Deaecto nos conta que, em sua forma original, o códice apareceu na Roma antiga. Compreendido feito “corpo da pessoa amada, abrimos o livro e lhe acariciamos as páginas com emoção”. A pele humana, aliás, participou de numerosas encadernações, a desafiar “a perenidade do corpo, da carne, ao selar para sempre seu destino ao da alma do livro”.
O livro torna-se objeto cultural, situado histórica e espacialmente: situação colocada em xeque, especialmente desde o advento da internet. A questão é que “os espaços são devassados virtualmente, tanto quanto os livros. Experiências incompletas que roubam ao leitor a experiência única de percorrer corredores por vezes sombrios, de se deslumbrar com espaços inacreditavelmente luxuosos, de se entorpecer com o cheiro muito peculiar dos papéis envelhecidos”.
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A representação de escritores e leitores é um dos temas mais fascinantes do segundo volume. Lincoln Secco resgata episódios de Laranja Mecânica (Anthony Burgess) e de Fahrenheit 451 (Ray Brudbury) de modo a observar que leitores e escritores já foram violentamente retratados pela literatura e o cinema (Livros e Filmes).
Compreendida como grande área do conhecimento, disciplina constante de grades curriculares, ou forma peculiar de relatar (versões de) acontecimentos, a história é outro tema caro ao cronista. Ele relembra que, de acordo com o Velho Testamento, “Antíoco Epífanes queria criar um povo só, apagando suas leis e, por isso, mandava queimar os livros dos judeus e condenava à morte os que os possuíssem em casa. Neemias, o profeta, criou como resistência ao esquecimento uma Biblioteca…”
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Bibliomania é uma obra pautada pela densidade da matéria e pela solidariedade de seus autores. O consórcio entre dois amigos favorece a coesão dos volumes e a pertinência dos textos, colocados em franco diálogo. Aqui a crônica encontrou uma nova forma de existência. É que, sob a aparência da palavra ligeira, antevemos a precisão histórica e o interesse cultural, refletidos no comentário denso e consistente de ambos os autores. Em poucas palavras, Marisa Midori Deaecto e Lincoln Secco instrumentalizam o público, transformando-o em uma plêiade de leitores cativos. Vamos a eles, sem mais demora.
*Professor de Cultura e Literatura Brasileira no Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. tupiano@usp.br
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