Morre James Salter

Foto: Reprodução/Facebook
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Escritores não morrem, é claro. Ainda assim, a morte foi buscar James Salter, na última sexta-feira. Tinha 90 anos e estava fazendo ginástica. Seu último romance, Tudo o Que É, do ano passado, acaba de ser lançado por aqui, pela Companhia das Letras. Foi muito elogiado nos EUA, país em que nasceu, com o nome James Horowitz. Traz a história de um soldado que volta da guerra contra o Japão, em 1945, e tenta retomar sua vida.

Em 2008 escrevi um texto sobre ele. Reproduzo aqui, depois de umas alterações pequenas:

Pouca gente conhece o escritor norte- americano James Salter. Mas muita gente de peso o admira. Susan Sontag, por exemplo, era uma de suas devotas. Sobre ele declarou: “Salter sabe gratificar aqueles para quem a leitura é um prazer intenso. É um dos poucos escritores americanos cujos livros eu gostaria de ler do começo ao fim”.

Salter, que já foi um exímio piloto da Aeronáutica, sabe como ninguém manusear o complicado painel de instrumentos da literatura. Suas frases são concisas, às vezes cortantes, há elegantes elipses de tempo e inesperadas mudanças de pontos de vista. Com essas manobras quase sempre sutis, Salter evita não apenas excessos e sentimentalismos, mas também os formatos óbvios do conto. Perguntado sobre seu estilo, o autor declarou que gosta de sentir as palavras nas mãos até estar certo de que são a melhor opção, de que têm “potencial elétrico”.

O primeiro romance de Salter, The Hunters, de 1956, reproduz, como ficção, sua passagem pela Guerra da Coréia, onde, ao que consta, travou várias batalhas com bravura. A partir daí abandonou a carreira militar para se dedicar exclusivamente à literatura, voltando-se a temas menos explosivos, mas não menos intensos, que se desenrolam em campos mais íntimos e de difícil sondagem. Se Um Esporte e um Passatempo (Imago, 1997) tem alta carga erótica, Última Noite e Outros Contos (Companhia das Letras, 2008) envereda por amores desfeitos: em “Crepúsculo”, o amante mais jovem de uma solteirona diz que vai voltar para a mulher; em “Platina”, a amante de um homem casado troca-o pelo sogro. Ou nunca realizados, como no excelente “Palm Court”, e também por frustrações com a carreira, com a mediocridade da vida etc.

Daí resulta um conjunto único de histórias, que se sucedem numa sequência de achados e surpresas, prendendo o leitor mais exigente. O conto que dá título ao livro é uma obra-prima. Uma mulher com câncer doloroso e incurável faz um trato com o marido: naquela noite ele irá aplicar-lhe uma injeção letal. Mas, antes, irão jantar no melhor restaurante da cidade e tomar o champanhe mais caro. Tudo é descrito com precisão inquietante, num crescendo de suspense. Mesmo certos de conhecer o desenlace, acompanhamos a pequena tragédia até o fim, com os olhos grudados na página.

“20 Minutos” tem tema parecido. Também trata dos últimos instantes de uma mulher. No caso, uma amazona que cai e tem parte do corpo esmagada pelo cavalo. Sem poder se mexer, começa a delirar nos derradeiros vinte minutos que lhe restam. Claro, nem tudo está sob nuvens negras na obra de Salter. Mas sempre há um quê de desconforto. Particularmente nessa coleção de contos, todos os personagens são pessoas maduras que se dão conta de que o melhor da vida já passou, e que talvez o melhor não fosse exatamente o que queriam.

Em “Akhnilo”, a narrativa de abertura, o personagem central é um homem de 34 anos que, apesar de formado em história numa faculdade de prestígio, trabalha como marceneiro. “Sua vida não tomara o rumo que esperava, mas ainda se considerava um ser especial, que não pertencia a ninguém. Na verdade, tinha uma ideia romântica do fracasso. Quase fora sua meta”. Certa noite, ouve um ruído que o atrai para fora de casa. O que seria? Salter constrói um suspense de duas vias: tanto queremos saber a origem do som misterioso, quanto o que realmente se passa na cabeça do personagem, claramente perturbado.

Em suma, James Salter é um autor que merece ser descoberto.

Ainda mais agora.


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