A polêmica sobre a existência de uma literatura feminina foi novamente levantada. Dessa vez foi na 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que reuniu, na noite de terça (29), a autora Ivana Arruda Leite, a jornalista Adriana Carranca e a professora Nadia Gotlib para discutir o espaço da mulher na literatura. A conversa durou pouco mais de uma hora e abordou, dentre outros aspectos, a marginalização e a representatividade. Na tarde do mesmo dia, o mesmo local recebeu a escritora Conceição Evaristo, maior representante da literatura negra feminina no Brasil hoje.
“É um tema que eu já tive maior aversão do que eu tenho hoje”. Foi assim que Ivana Arruda Leite, autora de Eu te darei o céu e Cachorros, iniciou o bate-papo. Não se trata de não gostar da produção feita por mulheres, muito pelo contrário. O fato é que a expressão “literatura feminina” incomoda Ivana. Para ela, o rótulo sempre teve um viés de maldade. “É tipo: a mulher fica lá na prateleira do fundo, perto da culinária, enfim”, ironizou.
De fato, a história da mulher na literatura brasileira é marcada pelo menosprezo, a começar por ter demorado mais tempo para começar a ser alfabetizada e, depois, para ser aceita como agente direta na literatura. Mulheres estiveram à sombra do homem, seja sob pseudônimos ou por comparações desdenhosas. Nadia Gotlib, professora e pesquisadora, fez apontamentos sobre algumas autoras que sofreram com essas situações ao longo da história. Nísia Floresta, Júlia Lopes de Almeida e Gilka Machado foram nomes que só começaram a ser resgatados a partir da segunda metade do século passado, no vácuo das ciências sociais. Seja pela forma ou pelo tema de seus escritos, essas mulheres foram diminuídas nesse universo composto quase unicamente por homens.
Adriana Carranca trouxe uma visão de fora. Embora o mundo islâmico seja um tanto plural hoje, alguns territórios permanecem com características conservadoras fortes. O privilégio de ter maior acesso às mulheres permitiu que Adriana conhecesse, no Paquistão, grupos poéticos femininos de resistência. A falta de voz na sociedade deu origem a esses movimentos secretos que permitem a expressão de suas ânsias e frustrações. Assim, a literatura não é apenas um meio, mas também um espaço. “A literatura é realmente um espaço onde elas podem falar sobre relações familiares, sobre sexualidade ou sobre erotismo entre elas só”, contou a jornalista que acompanha conflitos internacionais constantemente.
Não demorou muito para que a polêmica sobre protagonismo na escrita da literatura feminina fosse colocado em pauta, como aconteceu na FLIP 2015, por exemplo. As palestrantes foram questionadas sobre quem pode fazer literatura feminina. Afinal, se um homem escreve com voz de mulher, estaria fazendo literatura feminina? Ivana afirmou, com muita firmeza, que não. “O que conta é o nome da capa”, explica. Por outro lado, uma mulher que escreve com voz masculina ainda está fazendo a tal literatura feminina. Nádia entra na questão de performance, levantada pela filósofa Judith Bulter. Por isso, o problema em questão seria “definir o feminino”.
Às 14h do mesmo dia, Conceição Evaristo dividiu a mesa com Alexandre Martins Fontes, Susana Ventura e Isabel Gretel María Eres Fernandéz. Conceição fez questão de afirmar a importância das bibliotecas e escolas públicas, defendendo a leitura como direito essencial a todos. A mulher negra de maior expressão na literatura brasileira contemporânea se viu diante de todo um universo ao descobrir a paixão pela leitura na adolescência. Nascida na periferia de Belo Horizonte, ela acredita que a leitura e a escrita foram as chaves para que ela conseguisse autoafirmação, entendimento e respostas diante de suas angústias.
Ambas as mesas fizeram parte da programação do Salão de Ideias, espaço de debate impulsionado pela Câmara Brasileira do Livro, o SESC e o Itaú Cultura. Desde a abertura da Bienal, na sexta (26), já passaram por ali nomes como Ignácio de Loyola Brandão, Christian Dunker e Marcia Tiburi. Ainda serão apresentados painéis com Ruy Castro, Reginaldo Nasser, Vladimir Safatle e Gregório Duvivier, dentre outros. Confira a programação completa no site da Bienal.
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