Ser ou não ser?

O evento na Livraria da Vila

Você que é viciado em séries de televisão, votaria em Franck Underwood? Sim, o personagem principal da série House of Cards é totalmente inescrupuloso em sua escalada rumo ao poder, algo como “os fins justificam os meios”, porém, nunca indicou que sua motivação fosse o dinheiro e já demonstrou ser um político preparado e competente. Se policial, prenderia Walter White, cuja única motivação (será?) para produzir a melhor metanfetamina já distribuída era deixar dinheiro para sua família antes que seu câncer pulmonar o dominasse por completo? 

Calma, não se sinta mal por ter perdido tempo, ponderado, antes de tomar sua decisão. O anti-herói está na moda nas grandes séries de televisão e, muitas vezes, te fazem torcer pelo politicamente incorreto.

A fórmula não é nova, Shakespeare cansou de usar personagens “humanos” em suas peças, em constante conflito, o que os aproximava de seu espectador. Afinal, não somos todos assim?

O paralelo entre Shakespeare e as séries de televisão foi tema do segundo encontro VilaBrasileiros, que contou com as presenças dos escritores Rodrigo Lacerda e Mauricio Stycer, além do mediador Daniel Benevides, editor do caderno Literatura!Brasileiros.

Para começar o debate, Benevides “provocou” os convidados: “Se Shakespeare estivesse vivo hoje, não seria ele um roteirista de uma grande série”, perguntou.

Stycer foi o primeiro a falar e, antes de tudo, apontou as séries nas quais é possível encontrar visivelmente essa ambiguidade dos personagens: Sopranos, Six feet Under, The Wire, Mad Man e Breaking Bad. Apesar de concordar com a questão complexa e profunda dos personagens, Stycer acredita que isso é apenas possível por conta do formato dessas séries, que para ele são grandes histórias de 13 horas ou até mais, destrinchadas em episódios, diferente do teatro de arena da época de Shakespeare.

Também indo contra a ideia central do debate, Rodrigo Lacerda apontou que nem as próprias histórias de Shakespeare eram totalmente originais; que da mesma forma que existem influências do trabalho dele nas séries contemporâneas, o próprio Shakespeare se inspirou em coisas que já existiam para conceber seus clássicos. “O personagem trágico que por um erro se deslancha para um caminho destrutivo já existe faz muito tempo, os gregos já o descreviam”, lembrou. 

Os escritores também lamentaram o fato de ainda não existirem tramas complexas e cativantes como essa no Brasil, que mereçam entrar nessa discussão, por exemplo. “Falta tempo, falta cuidado de formato e, principalmente, coragem para se tocar nos assuntos relevantes”, comentou Stycer.

Após interação com a plateia, tanto Rodrigo Lacerda quanto Mauricio Stycer ainda tentaram diferenciar a construção de Shakespeare com a televisão atual por questões óbvias de formato e estrutura. Porém, antes de terminar, quando “encurralados” por Daniel Benevides, que perguntou novamente: “Pois bem, o que estaria fazendo hoje Shakespeare se estivesse vivo?”.”Provavelmente seria um roteirista do HBO”, concordaram os dois.


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