Em Alento, segunda canção de Lero-Lero (2010), a cantora e compositora Luísa Maita adverte: “Eu tô na vida é pra virar, que a felicidade vem / Eu tô sonhando mais além”. Nos seis anos que separam o trabalho de seu sucessor, o recém-lançado Fio da Memória, Luísa “virou e sonhou” sem moderação, conforme atestam as dez composições do novo disco.
Aos 34 anos, a personalidade autoral da artista paulistana, imponente desde sua estreia, ganha nova dimensão. Sem medo de ousar, Luísa constrói em Fio da Memória um universo estético, impregnado de texturas eletrônicas e paisagens oníricas, completamente diverso da sonoridade orgânica de seu antecessor, baseado em arranjos executados por instrumentos convencionais. Depois do longo hiato, ela retorna com a mesma voz impactante e sedutora de sempre, mas envolta em uma atmosfera etérea repleta de sintetizadores, baterias eletrônicas, sample machines, câmeras de eco, reverbs e delays.
No comando do arsenal lisérgico, os parceiros Zé Nigro (produtor do álbum, ao lado da cantora), Tejo Damasceno (produtor e coautor de Na Asa e Volta), Luizão Cavalcanti, Douglas Alonso, Fernando Catatau, Freddy Prince, Jam da Silva, Magno Vito, Marcelo Maita, Rafa Barreto, Rodrigo Campos, Samuel Fraga, Zé Godoy e Daniel Taubkin (coautor de Folia).
“A nova voz do Brasil”
Com Lero-Lero, as incursões internacionais de Luísa Maita foram iniciadas já em 2010, em uma turnê pelos Estados Unidos e Canadá, ocasião em que foi considerada pela NPR, a principal rádio pública dos EUA, “a nova voz do Brasil”. No ano seguinte, eleita Artista Revelação no Prêmio da Música Brasileira, Luísa partiu para uma nova excursão em solo norte-americano e percorreu 26 cidades. Em 2013, descoberta pelo etnomusicólogo Jacob Edgar, assinou contrato com a gravadora local Putumayo World Music. Com a inclusão de Encabulada e da faixa que nomeia o álbum na trilha sonora do filme Boyhood (2014), de Richard Linklater, Lero-Lero foi parar no topo da lista de álbuns mais vendidos no iTunes, na categoria Música Latina, e na segunda posição da Amazon, entre os álbuns de World Music.
Por telefone, a cantora e compositora falou à reportagem de CULTURA!Brasileiros sobre o tempo de maturação entre os dois trabalhos e também elucidou suas intenções. “Comecei a pensar o disco em 2013. Todo o processo de composição levou quase três anos. Espero não ter um novo hiato tão longo como esse, mas quis experimentar, com calma, esses novos elementos. Fiquei muito a fim desse desafio”.
Depois de finalizar as duas composições feitas com Tejo Damasceno, Luísa explica, entrou em cena Zé Nigro, produtor das outras oito faixas do álbum. “Fui pensando faixa a faixa com o Zé. Como não tinha uma ideia do que seria o álbum completo, fizemos tudo desse jeito complementar até descobrir os caminhos do disco. Zé Nigro tem muita noção estética, tanto de música eletrônica como acústica, é um cara muito versátil.”
Fã da cantora Bjork e dos cruzamentos entre instrumentos acústicos, elétricos e eletrônicos feitos por ícones do pop como Michael Jackson e Prince, Luísa defende que, para além da sonoridade diversa, há outras distinções entre Lero-Lero e Fio da Memória. “O primeiro disco é um resumo equilibrado de tudo que eu tinha vivido até ali como compositora e intérprete. Neste novo trabalho, fiquei muito a fim de experimentar outros caminhos, e acho que essas escolhas levaram Fio da Memória a harmonias mais neutras e uma vontade de modernidade que fazem do disco um trabalho quente. Tenho pavor de música eletrônica fria.”
Filha da produtora Myriam Taubkin e do compositor Amado Maita, morto em 2005, Luísa não renegou seu talento inato para a música. A vocação para o canto foi lapidada na Universidade Livre de Música e no coral da USP. Aos dez anos, comenta, já acompanhava o pai em estúdios para registrar coros em composições dele. Autor de um cultuado álbum homônimo lançado pelo selo Copacabana em 1972, seu único registro fonográfico, o também baterista e violonista, diz Luísa, foi uma espécie de professor de estética. “Meu pai e minha mãe são as maiores influências da minha vida. Não tenho a noção exata de como ele me inspira, mas, por exemplo, às vezes ouço Alívio, uma canção de meu primeiro disco, e penso: essa linguagem veio dele, isso pertence a ele. A herança afetiva de nossos familiares não é algo que a gente consegue explicar de forma objetiva, pelo contrário, ela é subjetiva, mas acho que tenho um senso criativo que é muito dele, um cara que, desde muito cedo, teve muita noção das coisas. Meu pai, por exemplo, foi o primeiro de seu grupo de amigos a defender a importância de João Gilberto. Ele tinha muito discernimento da música e do contexto que vivia. Sabia das coisas que faziam sentido. Era um cara de enorme sensibilidade”, diz.
Mesmo com a promessa de maior agilidade, claro, ainda é cedo para falar de um terceiro álbum. Mas, diante da excelente surpresa de Fio da Memória, fica a dúvida: os fãs podem esperar outra guinada de Luísa Maita? “Neste segundo disco procurei ser versátil e satisfazer minhas vontades. Ainda não sei quais serão os desejos que virão com um novo trabalho, mas pode ser que eu embarque em outra história”, conclui.
MAIS
– Conheça outros trabalhos de Luísa Maita no site oficial da cantora e compositora
– Ouça abaixo a íntegra de Fio da Memória no canal do Youtube de Luísa Maita
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