Aos 79 anos, ela segue incansável. Cantando as mazelas de um mundo em decadência, com sua força inabalável, Elza Soares extrapola fronteiras geográficas. A edição deste mês da revista britânica The Wire, por exemplo, traz extenso perfil da cantora, com direito a chamada de capa (veja) e análise elogiosa de sua discografia. O gancho da reportagem, assinada pelo crítico musical Russ Slater, é a série de shows do álbum A Mulher do Fim do Mundo que Elza fará neste mês a partir desta quinta-feira (10) em Berlim, na Alemanha, com destino a outros três países da Europa: Holanda, Inglaterra e Portugal, nesta ordem.
Antes de embarcar com seus músicos para o Velho Mundo, a diva despediu-se do público paulistano em três apresentações passionais, que marcaram o lançamento da versão em LP de A Mulher do Fim do Mundo. Em entrevista à CULTURA!Brasileiros, por telefone, do Rio de Janeiro, a cantora, eleita em 2000 pela BBC de Londres como “A Voz do Milênio”, falou de sua relação com os saudosos bolachões, principal suporte fonográfico de sua longeva trajetória: “Ainda gosto do vinil. Ele tem a magia de revelar surpresas. Você pode ouvir o lado A e o lado B na sequência, mas também pode ouvir primeiro aquela música que está escondida no lado B e que você tanto gosta. No vinil, a relação de afeto com a música é muito diferente”.
Reverente às coisas do passado, mas sem tempo para saudosismo, Elza fala da expectativa em torno da série de shows em solo europeu. “A ansiedade é sempre grande, mas, quando a gente canta com a alma, o resultado é sempre bom. Sou devota de São Jorge. A música e ele sempre me deram muita força”.
Ao comentar a série de apresentações ao redor do País, maratona que tem encarado desde o dia 3 de outubro de 2015, quando A Mulher no Fim do Mundo foi lançado no palco do Auditório Ibirapuera, em São Paulo, Elza dispensa lamúrias e prefere enaltecer as conquistas que vieram com o novo álbum. “É até difícil lembrar de tudo de bom que já aconteceu com o disco, mas esse sucesso é algo que está aí e que todo mundo vê. Para nós, que estamos dentro da história, é difícil perceber a dimensão de cada coisa, porque elas foram acontecendo no dia a dia e acabaram tomando conta da gente. O que posso afirmar, com total certeza, é que esse encontro com Kastrup (o produtor Guilherme Kastrup, idealizador do álbum) e com os músicos que trabalharam no disco foi algo muito positivo para mim, uma história maravilhosa.”
Também por telefone, mas de seu estúdio, Toca do Tatu, em São Paulo, Kastrup faz balanço similar ao de sua artista. “Sabe o efeito de um furacão? Desde que o ‘Furacão Elza’ entrou em minha vida, tudo mudou completamente. Emocionalmente e espiritualmente ela é muito intensa, e isso gera em torno dela um fluxo poderoso. A Mulher do Fim do Mundo foi também um furacão que envolveu o público. O disco representa renovação não só pelo fato de Elza cantar músicas inéditas pela primeira vez, mas também pela temática social das letras, que falam das causas das mulheres, dos negros. Esse discurso bateu forte na juventude”, defende o produtor.
Na reportagem da Wire, Slater afirma que Elza é uma espécie de meio/médium, que filtra o passado e o presente do Brasil. A cantora não discorda do comentário do repórter, mas pondera: “A gente vive nossa vida, mas, para além dela, tem muita coisa acontecendo no mundo, coisas que a gente não tem a mínima noção. Em mais de 50 anos de carreira, vi o Brasil subir e descer a ladeira várias vezes. Quando digo que a gente não sabe de nada, é porque sei que a vida volta e meia dá sustos na gente, como acontece agora, que a gente desce a ladeira de novo”, diz.
Para Kastrup, a associação do conteúdo lírico de A Mulher do Fim do Mundo com o momento conturbado que o País vive aconteceu de forma orgânica. “É impressionante perceber esse diálogo, porque começamos a preparar o álbum antes de tudo explodir com tamanha força. Claro, essa movimentação já estava no ar desde junho de 2013, mas acho que o encontro da Elza com esses jovens artistas, uma turma que está muito antenada com tudo que está acontecendo, fez com que a confluência de ideias surgisse naturalmente na voz dela, que sempre se colocou do lado certo das coisas.”
Além da turnê europeia, novembro pode reservar outro grande momento de felicidade para Elza e seus parceiros. No próximo dia 17, serão anunciados os vencedores do Grammy Latino e A Mulher do Fim do Mundo concorre ao prêmio em duas categorias, Melhor Álbum de Música Popular Brasileira e Melhor Canção em Língua Portuguesa – por Maria da Vila Matilde (Por Que, Se a da Penha é Brava, Imagine a da Vila Matilde), de Douglas Germano.
As 11 composições do disco também têm letras e músicas assinadas por Romulo Fróes, Celso Sim, Rodrigo Campos, Kiko Dinucci, Clima, Cacá Machado, Alberto Tassinari, Alice Coutinho, José Miguel Wisnik, Felipe Roseno, Pepê Mata Machado, Joana Barossi, Fernanda Diamant e Marcelo Cabral.
O repertório inicial, submetido à seleção final de Elza e Kastrup, somou mais de 50 músicas. Informação que gera a expectativa de que as sobras de estúdio possam render álbuns complementares. O produtor não descarta a possibilidade, mas antecipa outro projeto em curso. “O que ficou de fora renderia outros dois ou três discos, mas estamos planejando a gravação de um DVD ao vivo: Ainda falta algum apoio financeiro, mas também pretendo incluir um registro documental que mostre a história do projeto, da cena cultural fomentada em São Paulo por meio desse grupo de compositores e, claro, falar também da situação política do País, como disse, algo que, para mim, fez com que o diálogo com o público fosse ainda maior”, conclui.
MAIS
Ouça o álbum A Mulher do Fim do Mundo no canal do Youtube da Circus Produções
CONTEÚDO!Brasileiros
Leia reportagem sobre o álbum autoral Kastrupismo, lançado por Guilherme Kastrup em 2013
Leia perfil de Elza Soares publicado em março de 2009, na edição de Brasileiros
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