O ciclo lunar de Juliana Kehl

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A cantora e compositora paulistana Juliana Kehl. Foto: Anderson Capuano

O ciclo de evolução das quatro fases da Lua, como sabemos, demanda um mês do calendário. Para gestar Lua Full, sucessor de seu elogiado álbum de estreia, a cantora e compositora paulistana Juliana Kehl enfrentou a passagem de longos sete anos. Nesse ínterim se casou, foi mãe das gêmeas Dora e Helena – que completam 4 anos no próximo dia 13 – e se separou, até que aos poucos foi restituindo à rotina privada sua faceta artística e começou a esboçar as primeiras composições do novo álbum.

Juliana pretendia lançar Lua Full em 2016, mas novos impasses, o pior deles a perda da amiga Serena Assumpção (filha de Itamar, irmã da também cantora e compositora Anelis), que partiu aos 39 anos vitimada por um câncer, adiaram o retorno para janeiro último, quando, enfim, o repertório do álbum foi colocado na praça e à prova do público no palco do Sesc Pompeia, em São Paulo. Dias antes da reestreia ao vivo, na esteira do lançamento de Lua Full – nomeado em homenagem a Serena com o título de uma parceria entre ela e Juliana, a segunda faixa do disco – veio também o clipe de Ladainha (veja abaixo), composição de Alzira Espíndola, Alice Ruiz e Estrela Ruiz Leminski.

Em entrevista à CULTURA!Brasileiros, Juliana relativiza o peso do hiato e atribui a seu distanciamento da cena musical um caráter de maturação: “Acho que a vida tem seu curso natural. Eu podia ter me forçado a outras soluções, mas foi o que aconteceu. Já vi artistas, inclusive da minha geração, que assinaram contrato com gravadoras e tinham a obrigatoriedade de lançar tantos discos em tantos anos, mas que ficaram no desespero, porque o álbum não estava na cabeça e o que eles poderiam fazer? Psicografar composições?!”, brinca.

Para aqueles que conhecem o primeiro álbum de Juliana, desde a primeira audição de Lua Full salta aos ouvidos a percepção de uma artista à procura de novos caminhos. No álbum de 2010 são predominantes composições e arranjos que tanto bebem do samba sofisticado de bambas como Cartola e Nelson Cavaquinho quanto da MPB setentista de figurões como Caetano, Gil e Gal Costa. Distante dessas referências, em Lua Full Juliana constrói, ao longo de 11 temas, uma teia orgânica que, de tão concisa e aprazível, parece ter sido submetida a uma fórmula de precisão pop. Diagnóstico que converge com intenções confessas pela autora.

“Outro dia, em uma crítica do novo disco, alguém escreveu: ‘Distante do cavaquinho, Juliana Kehl…’. Curioso, porque, apesar de o meu primeiro disco não ser um disco de samba, fiquei um pouco estigmatizada como cantora de samba, coisa que nunca fui. Lua Full é um disco pensado para o momento que vivo, mesmo reunindo músicas que foram compostas há três, quatro anos. Meu primeiro disco foi muito pós-produzido, tem ao todo participações de 33 músicos, quase uma orquestra. Neste novo disco eu quis valorizar a sensação de energia da banda tocando ao vivo. Queria um disco mais pop, no melhor dos aspectos, que se comunicasse mais diretamente com o público.”

Reunindo os músicos Rovilson Pascoal, violão e guitarra, Marcelo Castilha, teclados, Meno Del Picchia, contrabaixo, e Guilherme Calzavara, bateria, Lua Full foi produzido e arranjado por Luiz Chagas e Gustavo Ruiz, respectivamente pai e irmão da cantora e compositora Tulipa Ruiz. Em dez das 11 faixas, pai e filho também alternam registros de guitarra, violão, sintetizador, programação eletrônica e coros. Além deles, fecham a lista de convidados Thiago Petit, que divide vocais com Juliana em Red Number, cantada em inglês, Marcelo Jeneci, coautor de Sete Salomés, e Zé Pi, que faz duetos com a cantora em Anoiteceu, parceria dele a seis mãos com Leo Cavalcanti e Mauricio Fleury, guitarrista e tecladista da big-band Bixiga 70.

Lua Full também reserva ao ouvinte duas boas surpresas: uma releitura de Desterro, do ídolo pernambucano Reginaldo Rossi, e a presença lírica da psicanalista Maria Rita Kehl, irmã da cantora, que empresta um poema seu para harmonias e melodias construídas por Juliana. A compositora esclarece como se deu a “parceria”.

“Maria Rita publicou três livros de poesia, Imprevisões do Tempo (1979), O Amor é Uma Droga Pesada (1983) e Processos Primários (1996), que é um apanhado dos dois primeiros livros com poesias inéditas. Ela não publica nada há muito tempo, mas tenho esses livros em casa e eles são a fonte de nossa parceria. A primeira composição que fiz na vida foi musicando uma poesia linda dela, Sagitário, que só agora fui gravar. O texto de Maria Rita, para mim, tem muito ritmo. Logo que bati o olho nesse poema senti que havia nele uma melodia. Depois compus outra música baseada em um poema dela, Viação Cometa, que está no meu primeiro disco.” Além de Sagitário, Lua Full inclui outras duas parcerias familiares, Desoriente, com a sobrinha Ana Kehl de Moraes, filha de Maria Rita, e Desconhecer, com o irmão Pedro Kehl.

Um dos talentos da geração de artistas que despontou na transição entre as décadas de 2000 e 2010, enquanto esteve ausente dos palcos e do mercado fonográfico Juliana observou, à distância, mas de olhos e ouvidos bem atentos, a evolução de seus pares. “Acompanhei tudo o que eles fizeram nesse período e acho muito bonita a evolução de cada um. Entre as cantoras, estive mais próxima da Tulipa, da Tiê e da Luisa Maita, porque elas são minhas amigas, mas, artisticamente, tanto elas quanto outros que surgiram no mesmo período amadureceram e fizeram grandes trabalhos. Tenho muita admiração por meus contemporâneos.”

Voltar a somar forças com a cena musical paulistana, assegura Juliana, foi um prazer que chegou ao ápice com sua volta aos palcos. “Ser tão bem recebida de volta pelo público foi emocionante. Fiquei esse tempo todo fora e a expectativa foi quase como a de encarar uma estreia. Voltar aos palcos é o que dá sentido à loucura que é o processo de gravar um disco. O show no Sesc Pompeia foi, para mim, um momento feliz de catarse.”

Planos para o futuro imediato?“Em breve vamos filmar com o Thiago Petit o clipe de Red Number, que vai ser dirigido pelo Macau Amaral. Pretendo divulgar em março, abril. Depois disso, é pé na estrada!”, celebra.



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