Para os amantes do jazz, Rudy Van Gelder é nome mais que familiar. Nesta quinta-feira (25), a família do engenheiro de som anunciou sua morte, ocorrida dois dias antes, aos 91 anos, em sua casa, em Hackensack, Nova Jersey, espaço onde ele mantinha um verdadeiro templo da música, o estúdio onde iniciou suas primeiras gravações profissionais no final da década de 1940. Nos bastidores da indústria fonográfica de seu país, a atuação revolucionária do norte-americano a partir da primeira metade dos anos 1950 está presente em milhares de fichas técnicas de álbuns produzidos no Van Gelder Studio, em Englewood Cliffs, também em Nova Jersey, que escreveram a história de consolidação do jazz como um dos gêneros de música popular mais difundidos ao redor do mundo.
Em selos legendários, como Blue Note, Impulse, Prestige, Verve, Savoy, Muse e CTI Records, Van Gelder moldou a sonoridade de álbuns que conquistaram o status de obras-primas. Uma lista completa dos títulos que contaram com sua colaboração demandaria páginas de texto, mas vale mencionar algumas joias lapidadas pela sensibilidade visionária do engenheiro de som: Moanin’, de Art Blakey & Jazz Messengers; A Love Supreme, de John Coltrane; Mulligan Plays Mulligan, de Gerry Mulligan; Song For My Father, de Horace Silver; Kaleidoscope, de Sonny Stitt; Monk, de Thelonius Monk; Saxophone Colossus, de Sonny Rollins; The Sidewinder, de Lee Morgan; Jazz Advance, de Cecil Taylor; The Jazz Harpist, de Dorothy Ashby; Swing and Soul, de Lou Donaldson; Bag’s Groove, de Miles Davis; Somethin’ Else, de Cannonball Aderley; Back At The Chicken Shack, de Jimmy Smith; Eastern Sounds, de Youssef Lateef; Out to Lunch, de Eric Dolphy; Movin Wes, de Wes Montgomery; Empyrean Isles, de Herbie Hancock; Let’ Em Roll, de Big John Patton; e Idle Moments, de Grant Green.
No livro Rudy Van Gelder in Hackensack: Defining The Jazz Sound in the 1950’s (em tradução literal, Rudy Van Gelder no Hackensack: Definindo a Sonoridade do Jazz nos anos 1950), o autor, Dan Skea, defende que, no exercício de seu ofício técnico, o engenheiro de som foi um dos artífices da viabilização comercial do jazz. “Sua habilidade em fazer a música mais atraente sonoramente ajudou gravadoras a vender mais produtos, dando a elas o suporte financeiro necessário para dar continuidade às suas atividades e estabelecer recordes de vendas que ajudaram a formar o público do jazz moderno”, diz Skea na apresentação do livro.
Nascido em Nova Jersey em 4 de novembro de 1924, aos 12 anos Van Gelder foi seduzido pela contracapa de um gibi que anunciava um inusitado equipamento, o Home Recordo, composto de uma mesa giratória que, agregada a uma toca-discos, era capaz de fazer pequenas reproduções em matrizes virgens fornecidas com o produto. Com o aval dos pais, que bancaram os U$ 2,98 da compra, o garoto começou a fazer suas primeiras experiências. A insatisfação de Van Gelder com as limitações técnicas do equipamento estimulou a busca incessante por perfeição que marcou sua trajetória profissional, característica que fez dele, mesmo nos bastidores da indústria, um dos personagens mais importantes para a história da moderna música popular no século XX.
Atento às renovações estéticas, com o sucesso mundial da bossa nova a partir do êxito do álbum Getz/Gilberto (1964), de Stan Getz e João Gilberto, fato que impulsionou o êxodo de grandes artistas brasileiros para os Estados Unidos, Van Gelder também atuou como engenheiro de som de alguns títulos que ajudaram a consagrar a música brasileira para audiências além de nossas fronteiras. A seguir, selecionamos álbuns (com áudio na íntegra) que marcaram a trajetória de artistas como Tom Jobim, Astrud Gilberto e Eumir Deodato nos EUA. Veja também vídeo com apresentação ao vivo de Thelonius Monk, na TV britânica, executando o tema Hackensack, escrito por ele em homenagem a Van Gelder (a apresentação é de 1965, mas o registro original é de 1963, do álbum Criss-Cross).
Thelonius Monk – Hackensack
Walter Wanderley – Rainforest (Verve, 1966)
Tom Jobim – Wave (A&M – CTI Records, 1967)
Tamba 4 – We and The Sea (A&M, 1967)
Astrud Gilberto e Stanley Turrentine – Gilberto With Turrentine (CTI Records, 1971)
Airto Moreira – Fingers (CTI Records, 1973)
Eumir Deodato – Prelude (CTI Records, 1973)
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