Um grupo de aproximadamente 250 pessoas percorreu entre os dias 21 e 27 de abril as cidades italianas que serviram de palco para combates envolvendo a Força Expedicionária Brasileira (FEB), regimento enviado pelo país para lutar ao lado das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial. O roteiro fazia parte das celebrações pelos 70 anos da libertação da Itália das mãos do nazi-fascismo, comemorados no último sábado (25).
Chamada “Coluna da Vitória 2015”, a viagem foi organizada pela Associação Brasileira de Preservadores de Viaturas Militares (Abpvm) e contou com a presença de filhos, netos e bisnetos de soldados da FEB, além de muitos simples apaixonados pela história nacional, todos entre 23 e 70 anos. O percurso começou em Camaiore, na Toscana, de onde o grupo partiu em jeeps, dodges e ônibus rumo ao norte da Itália.
“A tarefa da FEB no processo de libertação da Itália foi muito complicada, pois tratava-se de uma tropa mal treinada, mal equipada e com muitos problemas de adaptação ao rigor daquele inverno italiano. Apesar disso, soube lutar bravamente contra o Exército melhor preparado do mundo na época e manter uma dignidade sem par, considerando a população italiana e compartilhando os recursos que tinha, principalmente comida e remédios”, diz Mario Pereira, que participou da organização dessa nova expedição pela nação europeia.
Filho de um ex-sargento da FEB, ele é o responsável por manter o Monumento Votivo Militar de Pistoia, construído no local que abrigava o antigo cemitério de pracinhas que havia nessa cidade situada a 40 km de Florença. Na década de 1960, os restos mortais dos brasileiros que morreram na guerra foram repatriados, e sobre seus antigos túmulos foi levantado um memorial.
O pai de Mário era quem cuidava do cemitério e, mais tarde, do monumento, passando a tarefa ao filho após sua morte. “Quando ele faleceu, eu me senti incumbido de levar à frente a missão dele, aquela missão em que eu o tinha visto empenhado a vida inteira, mesmo no meio das dificuldades. Eu cresci à sombra desse monumento”, diz.
Como não poderia deixar de ser, Pistoia foi um dos locais visitados pelos 250 brasileiros que, 70 anos depois, refizeram os passos da FEB. O grupo também esteve em Massarosa, primeiro município libertado pela força expedicionária, Staffoli, lar da única construção deixada pelos soldados brasileiros em solo italiano (uma gruta em homenagem à Nossa Senhora de Lourdes), e no célebre Monte Castelo, montanha da Emília-Romana que foi palco da mais conhecida batalha envolvendo os pracinhas.
Importante baluarte alemão, o morro situado nos arredores de Bolonha foi tomado em 21 de fevereiro de 1945 após quatro tentativas de incursão. Mas os viajantes também passaram por muitos vilarejos menos conhecidos e que até hoje lembram a participação brasileira em sua libertação por meio de placas ou monumentos. Em algumas etapas, principalmente nas solenidades mais importantes, participaram cinco veteranos: Antonio de Pádua Inham, José Marino, Anselmo Alves, Alberto Arioli e João Batista Moreira. O embaixador do Brasil na Itália, Ricardo Neiva Tavares, também esteve presente em alguns eventos.
“Em todos os monumentos por onde passamos, além daqueles inaugurados neste ano, foi colocada uma placa alusiva aos 70 anos do fim da guerra. Ao longo do roteiro da FEB na Itália, existem hoje 45 monumentos ou placas, dos quais apenas dois foram construídos com recursos brasileiros. Acho que isso dá um destaque muito grande ao soldado, ao pracinha e ao povo brasileiro”, diz Mário Pereira.
Papel secundário
Ainda que várias aldeias e pequenas cidades tenham os membros da força expedicionária como heróis, a participação do maior país da América Latina na libertação italiana foi, segundo historiadores, apenas marginal, embora tenha a sua representatividade, principalmente para o Exército nacional.
“Foi um papel secundário, quase simbólico, uma vez que tratava-se de apenas uma das 23 divisões de países aliados que lutavam naquele front. Mas não deixou de ser uma contribuição importante, face à crise desesperada de falta de efetivos com que se debatia a frente italiana no segundo semestre de 1944”, relata Dennison de Oliveira, professor do departamento de história da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ao todo, foram enviados pouco mais de 25,3 mil militares para a Itália, dos quais 10,2 mil como retaguarda. Os soldados chegaram na Europa no segundo semestre de 1944 em cinco viagens de aproximadamente 5 mil pessoas cada. Encerrada em maio de 1945, a campanha teve em torno de 450 mortos e cerca de 2 mil feridos em combate.
“Mesmo na Itália, que naquele momento não era o front mais importante da guerra, a FEB, tendo só uma divisão de infantaria, não foi decisiva. Ela contribuiu para um esforço conjunto aliado”, afirma Vágner Camilo Alves, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para ele, a FEB foi, acima de tudo, muito importante para o Brasil e para as Forças Armadas nacionais. “Foi a grande experiência do Exército brasileiro em um conflito moderno.”
Porém se na letra fria da história o papel do país na libertação italiana se resume a uma pequena contribuição, nas lembranças dos que tiveram suas vidas afetadas pela força expedicionária o heroísmo estará sempre presente.
“Os brasileiros foram, e são ainda hoje, considerados verdadeiros libertadores da Segunda Guerra Mundial. O Exército brasileiro é indicado aqui na Itália como um dos melhores entre os aliados. Seu exemplo não pode e nem deve ser esquecido, e o Brasil deveria valorizar mais essa grande lição de dignidade e amor que a FEB deu ao mundo inteiro”, declara Mario Pereira, o ítalo-brasileiro que dedica sua vida a manter vivo o legado da força expedicionária e de seu pai.
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