Este ano se comemora – pela quarta vez – o feriado em homenagem a morte de Zumbi, o escravo negro que liderou o Quilombo dos Palmares, na serra da Barriga, atual região de Alagoas. O dia é lembrado na maioria dos Estados brasileiros (clique aqui para ver se sua cidade ou Estado faz parte da homenagem) e, especialmente neste ano, tem conexão com os vários casos de racismo que ocorreram em 2014, desde os insultos ao jogador Tinga, do Cruzeiro, na partida contra o time peruano Real Garcilaso, em Huancayo, no Peru, até as reclamações do goleiro Aranha, em Porto Alegre, história esta relatada pela repórter Luana Schabib na matéria de capa de Brasileiros de novembro.
O drama de Aranha
Márcio Lúcio Duarte da Costa, 33, conhecido por Aranha, é mineiro de Pouso Alegre. Ombros largos, braços compridos, 1,93m, negro. Olhar fulminante, coerente. Hoje, se enfrentamento tivesse nome seria o do goleiro, que defende o Santos Futebol Clube. No final de agosto, durante partida contra o Grêmio, que perdia por 2 a 0, o jogador foi insultado por torcedores adversários, em Porto Alegre. “Me chamaram de ‘preto fedido, cambada de preto’… No futebol, sabemos que o torcedor quer desestabilizar o adversário. Mas existem leis”, declarou Aranha, após o jogo.
Como as câmeras registraram os gritos da torcida, foi fácil identificar os agressores, e entre eles estava Patrícia Moreira da Silva, 23, que berrava: “MA-CA-CO”. Ela era auxiliar de um centro odontológico da Brigada Militar. Como sua imagem foi veiculada nos jornais, foi demitida. Pela agressão da torcida, o Grêmio foi expulso da Copa do Brasil. A família de Patrícia foi ameaçada, sua casa, alvo de vandalismo.
Patrícia era constantemente chamada de “menina”. Ela se defendeu dizendo que as palavras vieram no “calor do momento”. A mídia quis promover o encontro entre a agressora e a vítima. Aranha negou. Ele a perdoou, mas reafirmou a importância de ela responder na Justiça pelos seus atos. As críticas vieram na mesma proporção dos elogios à sua conduta.
Em uma segunda partida contra o Grêmio, dessa vez pelo Brasileirão, em setembro, a cena se repetiu. Aranha foi vaiado durante boa parte dos 90 minutos. Após a partida, cerca de dez repórteres o cercaram: “Aranha, mas você não acha normal as vaias?”.
Aranha respondeu: “Eu não ligo, desde que seja do esporte. Mas a gente tem que deixar de ser hipócrita, porque todo mundo sabe que a vaia hoje foi diferente”. Insistiam: “Diferente por quê?”. E Aranha perguntou olhando para uma repórter: “Por tudo o que aconteceu no outro jogo. Você concorda com o que aconteceu?”. A repórter, com um sorriso nervoso, repetia que não tinha que concordar. E o goleiro disparou: “Você não tá nem aí, é isso?”. Ele se retira.
Até Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, chegou a condenar publicamente a atitude do jogador: “Se eu fosse querer parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todos os jogos iriam parar. Quanto mais falar, mais vai ter racismo”. Em entrevista dada à TV Folha, Aranha, que não atendeu aos pedidos da reportagem da Brasileiros, afirmou: “Tem muita gente manifestando contra a minha atitude, mas muita gente sofreu para que tivessem leis para nos proteger desses casos. Acho que a punição serve para ensinar”.
Segundo Adriana Eiko, conselheira do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, essa violência tem desdobramentos e afeta a dimensão subjetiva “na constituição das identidades, tanto de quem sofre, quanto de quem perpetra a violência”. A psicóloga afirma que é importante estar claro que as manifestações culturais se desdobram a partir de contextos, e a discriminação está presente em várias esferas sociais, por essa razão se faz fundamental “pensar o quanto que a gente vai se aliando intencionalmente com posições. Nesse sentido, a piada, o chiste, acaba operando como uma quase autorização social para a desigualdade, quando essa expressão poderia chamar atenção de outros pontos que não prestamos atenção”.
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