O governador Geraldo Alckmin (PSDB), por meio de um decreto publicado no início deste mês, voltou a impor sigilo sobre temas de segurança pública no Estado de São Paulo. De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, a decisão publicada no Diário Oficial permite a ocultação por 50 anos do “histórico de registro digital de ocorrência e boletim eletrônico de ocorrência, quando não for possível a proteção dos dados pessoais dos envolvidos e testemunhas”.
Para o presidente da comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, Martim de Almeida Sampaio, a decisão vai contra o interesse da população e só atende ao desejo do governo de São Paulo de esconder os verdadeiros números da violência no Estado e sua política fracassada de segurança pública. “Por que impor sigilo a dados que interessam a toda a população? Não me parece ser de boa política e não é de fato. Num estado democrático de direito, o governador, que é comandante em chefe da polícia militar e da polícia civil, omitir dados da segurança pública é impensável. De que adianta descobrirmos uma arbitrariedade da polícia daqui a 50 anos? Nada. Me parece que há um conflito entre a Lei de Acesso à Informação e o decreto”.
O especialista em transparência pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Fabiano Angélico também desaprova a medida. Para ele, o decreto é mais um indício do caráter pouco democrático do governo Alckmin: “Houve a imposição de sigilo dos documentos dos metrôs, depois da Sabesp e agora esse. O governo estadual chegou a criar uma comissão de transparência, mas foi esvaziada o ano passado. Tudo indica que o governo não é muito dado aos controles democráticos”. Angélico também critica o fato da decisão ter sido tomada sem consulta a especialistas. Segundo ele, o texto comete um erro técnico ao confundir dados sigilosos e dados pessoais.
“A Lei de Acesso à Informação determina duas categorias de restrição da informação: dados sigilosos e dados pessoais. Cada um tem uma justificativa, um procedimento, as coisas não devem ser misturadas. E esse decreto confundiu, ele está dizendo que boletins de ocorrência, quando contêm dados pessoais que devem ser protegidos, serão sigilosos por 50 anos. O governo errou ao estabelecer o sigilo com base nesses argumentos. A resolução que estabelece isso também aponta como motivação a questão dos dados sigilosos, cujo prazo é de 5 anos. Só que aí colocou 50 anos de sigilo. A Lei de Acesso à Informação e a Constituição Brasileira, que fala do princípio da publicidade, falam que a transparência é a regra. Se é assim, a informação deve ser reservada por pouco tempo, em casos específicos. Não é correto nem coerente o governo impor sigilo da forma como foi feito”, diz Angélico.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também rechaçou a decisão do governo, que inviabilizaria a produção de reportagens e pesquisas acadêmicas sobre criminalidade. “Os dados contidos nos documentos são fundamentais para o exercício do controle externo do serviço de segurança pública, já que permitiriam a produção de levantamentos como a distribuição de tipos de crimes por regiões, por exemplo. A justificativa para impor o sigilo é frágil: a própria Lei de Acesso relativiza a proteção a dados pessoais no Art. 31, §3º, inciso II, quando esses dados forem necessários ‘à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral’. Basta omitir os termos que permitem a identificação individual”, diz em nota oficial da associação.
Deixe um comentário