O protagonismo dos estudantes secundaristas no debate sobre mudanças no ensino no estado de São Paulo marcou 2015. Para Ocimar Munhoz, especialista em sistemas educacionais e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), a participação do movimento estudantil proporcionou um salto no debate sobre a reorganização escolar.
Para o docente, “os estudantes entraram em cena e isso mudou, porque deu visibilidade à questão”. “Expôs limitações profundas dessa proposta do governo do estado”, disse. “Foi uma tentativa, na verdade, de fazer valer outros interesses como racionalização de custos e a municipalização do que, propriamente, a melhoria da qualidade.”
A proposta de reorganização escolar, do governo estadual, previa o fechamento de 94 escolas e a transferência de 311 mil alunos para instituições de ensino na região onde moram. A reorganização separaria em ciclos alunos com idades entre 6 e 10 anos, adolescentes de 11 a 14 anos e jovens entre 15 e 17 anos. Estudantes, então, ocuparam escolas para mostrar a insatisfação com a proposta.
Segundo Munhoz, o projeto passou a ser debatido na mídia após as ocupações das escolas. Apesar de ampliar as discussões, faltou iniciativa do governo estadual, na avaliação do professor. “Tinha que haver um debate, mas não só pela imprensa. Isso não consolidou, de fato, o debate”, disse.
Histórico das ocupações
A primeira ocupação, no dia 9 de novembro, foi a da Escola Estadual Diadema, na grande São Paulo. O movimento cresceu gradativamente e, cerca de um mês depois, no auge, aproximadamente 200 escolas foram ocupadas. Os alunos também foram às ruas protestar, sendo, diversas vezes, duramente reprimidos pela Polícia Militar.
Os estudantes argumentavam que a comunidade escolar não foi ouvida sobre as mudanças. Outra crítica é que as alterações e transferências, se colocadas em prática, causariam a ruptura da relação que os alunos desenvolveram com colegas e prejudicariam a logística dos pais, que muitas vezes pedem aos filhos mais velhos para levar os irmãos mais novos para a escola.
O governo estadual disse que houve queda de 1,3% ao ano da população em idade escolar no estado. Desde 1998, a rede estadual perdeu 2 milhões de alunos. Segundo o governo, com a divisão por ciclo, as escolas estariam mais preparadas para as necessidades de cada etapa de ensino. “Entre diversos estudos que foram utilizados para a proposta da reorganização, está o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), que mostrou que unidades que atendem alunos de apenas uma faixa etária têm desempenho melhor”, informou o governo, em nota.
No período das ocupações, os jovens criaram uma rotina de atividades com o intuito de garantir a conservação das escolas Os grupos se dividiam entre os responsáveis pela limpeza, alimentação e até demandas da imprensa. A comunidade colaborou com doações de alimentos, remédios e produtos de limpeza.
Na Escola Brigadeiro Gavião Peixoto, uma das maiores do estado, na região de Perus, com cerca de 4 mil matriculados, os alunos promoveram aulas voluntárias. Juliana de Oliveira, de 16 anos, estudante do segundo ano do Ensino Médio, conta que docentes de escolas públicas e particulares se dispuseram a auxiliar na programação das aulas. “A gente teve aula de história, uma professora veio aqui e deu aula especial sobre o que está acontecendo na Palestina, é algo bem legal. A gente não está desocupado. Estamos tendo aulas, palestras e estamos ganhando mais conhecimento do que antes, porque era comum faltar professor”, disse.
O governo estadual tentou obter na Justiça a reintegração de posse das unidades ocupadas. No dia 23 de novembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou, por unanimidade, o pedido.
No dia 4 de dezembro, o governador Geraldo Alckmin recuou e revogou o decreto que instituía a reorganização escolar em todo o estado. Com a decisão, o secretário de Educação, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, deixou o cargo.
Debate em 2016
Para a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a iniciativa dos alunos estimulou o debate. “Essas ocupações provocaram os alunos de tal forma que eles vão dizer: eu não quero mais sentar em frente à lousa. Eu vou querer sentar no chão, vou querer outro tipo de aula, e isso vai requerer nova dinâmica para organizar o tempo, o espaço escolar. Estamos falando da necessidade de ter biblioteca, de ter laboratório, para que os alunos sintam que são convidados a ir e a ficar na escola”.
A Secretaria da Educação do Estado prometeu um debate mais aprofundado em 2016 sobre a reorganização escolar. De acordo com a assessoria de imprensa, a metodologia desse debate ainda não foi definida. Para Ocimar Munhoz, as discussões precisam ser mais amplas que as feitas anteriormente à decisão da reorganização. “Essa reorganização foi uma medida sem um projeto, esse é um primeiro elemento que tenho destacado. Uma medida que afeta milhares de estudantes, professores, pais, tinha que ter uma fundamentação”, declarou o especialista.
A secretaria informou, por sua vez, que houve diálogo com a comunidade. As audiências ocorreram em setembro e cada umas das 91 diretorias de ensino definiu um método diferente para essas reuniões.
Ocimar Munhoz defende que, em 2016, o governo dedique também atenção especial ao Plano Estadual da Educação, contemplando a carreira dos docentes e as condições das escolas. “A melhoria da qualidade da escola passa por um conjunto de fatores. Em São Paulo, tem a valorização da carreira dos professores, que hoje é precária”, disse.
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