No Brasil, o acirramento do ódio e da perda de direitos sociais e humanos que envolve o processo de impeachment deixou o País ainda mais vulnerável a violações: ostentamos, novamente, o posto de país campeão em número de homicídios, chegando a quase 60 mil mortes provocadas por violência letal no último ano. Jovens negros, a maioria moradora das periferias, são desproporcionalmente afetados por essa situação. “Nenhuma crise é justificativa para perda de direitos”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil.
A Anistia Internacional lançou, nesta terça-feira, 21, o relatório “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, publicação anual que evidencia graves violações de direitos humanos e aponta demandas aos Estados.
Segundo o relatório, tramitam no Congresso medidas que podem impactar sobre os direitos humanos, como a PEC 241/55, que limita investimentos em educação, saúde e assistência social. “A emenda foi aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado e foi duramente criticada pelo Relator Especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos”, evidencia o documento, que aponta outras áreas ameaçadas com retrocessos como direitos LGBTI, políticas de armamento e comércio de armas, precarização do trabalho, demarcação de terras indígenas e quilombolas, entre outras.
Violência Policial
O que deixa o quadro no Brasil ainda mais grave é a constatação de que parte significativa dos homicídios foi provocada pela polícia, braço armado do Estado. Essa tendência vem aumentando com a militarização da segurança pública por meio do uso das Forças Armadas, reforçada, segundo a Anistia, pelos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro e pelo envio de tropas ao Rio Grande do Norte.
“As autoridades e organizadores dos Jogos Olímpicos 2016 não implantaram as medidas necessárias para evitar violações de direitos humanos pelas forças de segurança antes e durante o evento esportivo. Isso levou à repetição das violações já testemunhadas em outros grandes eventos esportivos realizados na cidade do Rio de Janeiro (os Jogos Pan- Americanos em 2007 e a Copa do Mundo em 2014).”
A organização afirma que houve aumento de 103% no número de pessoas mortas pela polícia na cidade do Rio de Janeiro em comparação com o mesmo período de 2015, um dado escandaloso. Partilham a responsabilidade por essa violência o Governo do Estado do Rio de Janeiro e o Ministério da Justiça, que estava sob comando do candidato ao STF, Alexandre de Moraes. A polícia admitiu estar envolvida em 217 tiroteios nas favelas do estado do Rio.
Defensores de direitos humanos
O Brasil também figura como País que mais mata defensores de direitos humanos e lideranças do campo. A disputa de terras e recursos naturais vitimou pelo menos 47 pessoas no ano passado. “A lentidão na demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas e a ausência de investigação e responsabilização das ameaças e assassinatos dessas lideranças e defensores de direitos humanos alimenta o ciclo de violência no Brasil e deixa essas pessoas a mercê de futuros ataques, ameaças e assassinados”, afirma Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional.
O relatório denuncia também o enfraquecimento dos programas estaduais e nacional de proteção a essas lideranças e defensores, o que vulnerabilizou ainda mais a atuação dessas pessoas. “O modelo de desenvolvimento econômico do campo no Brasil tem privilegiado o investimento privado em detrimento dos interesses coletivos das populações tradicionais”, explica Renata.
A organização internacional reivindica que o Estado brasileiro garanta a investigação célere, independente e imparcial de todas as ameaças e ataques de lideranças rurais e defensores de direitos humanos no campo; instale e amplie o programa nacional de proteção a defensores de direitos humanos; e entenda a necessidade de olhar para as causas estruturais que vulnerabilizam essas lideranças e adote medidas urgentes para acelerar a demarcação e garantir o acesso à terra para as comunidades rurais em geral.
Faltam investigação e responsabilização
O que chama a atenção tanto no caso dos defensores que atuam no campo quanto na situação da violência policial urbana é a falta de investigação e responsabilização. “A impunidade é um padrão nacional”, afirma Renata.
Passaram-se 20 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, em que 19 trabalhadores rurais sem terra foram mortos pela Polícia Militar do Pará. “Desde então, pouca coisa mudou. Nesses 20 anos, pelo menos 271 lideranças do campo foram assassinados naquele estado”, alerta Renata.
Também foram 10 anos dos “Crimes de Maio”, quando uma onda de violência policial acabou com a vida de mais de 600 jovens no litoral de São Paulo. Esse quadro demonstra que o Estado brasileiro tem falhado duplamente na garantia do direito à vida: quando comete a violência e quando não pune esses crimes.
O papel das mulheres
A resistência, segundo a organização, tem sido feita pelas mulheres. São elas que incansavelmente lutam por Justiça e para que essas vidas não sejam esquecidas. Recusam a desumanização de seus filhos, sobrinhos, maridos, que criminaliza suas memórias. “Elas fazem a diferença”, diz Jurema. “As mulheres tem sido o motor da resistência. Tem dor ali, tem sofrimento ali, mas tem força. Por trás desse processo de desumanização há uma grande cortina de fumaça na qual dirigentes políticos escondem seu descompromisso em proteger a vida das pessoas.”
A violência policial é uma marca da América Latina e o cenário de opressão crescente piora a situação dos direitos humanos. No mundo, retrocesso de direitos humanos em países poderosos pode causar “efeito dominó”. Leia o relatório completo: https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2017/02/AIR2017_ONLINE-v.2-2.pdf
Deixe um comentário