Um espaço de nove dias impediu que a ex-presidente da Petrobras, Maria Graça Foster, completasse exatos três anos à frente da maior companhia petrolífera da América Latina e uma das maiores do mundo. Foi em uma terça-feira, 13 de fevereiro de 2012, em Brasília, depois de chorar perante a presidenta Dilma Rousseff e o então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, que Graça assumiu o cargo máximo da empresa em meio a um discurso emocionado sobre o tempo em que ali trabalhou e sobre a inédita presença de uma mulher na chefia de uma companhia deste porte. Era o começo de um período em que ela ainda não havia atingido o auge e, principalmente, a queda que, às vezes, existe depois dele. Nesta quarta-feira, 4 de fevereiro, um comunicado simples enviado ao mercado anunciou a renúncia dela e de outros quatro diretores da companhia. Ainda não se sabe se ela continuará em outro cargo ou se sairá, para sempre, da estatal onde passou a maior parte da vida.
Na Bolsa de Valores de São Paulo, as ações ON da Petrobras subiam 6,44% cotadas a R$ 10,42 e as preferenciais avançavam 6,20%, para R$ 10,02 às 10h40 da manhã desta quarta-feira. Na terça, as ações já haviam subido 15,47% com os rumores da demissão.
Em abril de 2012, a repórter Isabela Flórido, de Brasileiros, passou um dia com Graça Foster, no Rio de Janeiro. À época, ela ainda não figurava nas principais revistas de negócios do mundo, apesar de começar a ser conhecida dos brasileiros graças aos bons rumos que em a companhia estava. “Tudo o que você faz é notícia, todas as posições que toma têm muito impacto. Tenho de me acostumar com outro tipo de visibilidade. Por exemplo, moro em Copacabana e não tenho carro há muito tempo. Então, pego táxi no ponto da minha rua. É só eu chegar que os taxistas falam uns para os outros: ‘A mulher do gás tá aí!’. É um barato, me divirto! Mas há vezes que fico um pouco constrangida, envergonhada talvez, não sei explicar”, revela ela em um trecho da matéria. Ela ainda contou que certa vez, ao desembarcar no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, vinda de Pernambuco, adorou ser reconhecida por um grupo de moças dos serviços gerais que teve de posar para fotos.
Virginiana, mineira de Caratinga, cidade a 188 quilômetros de Belo Horizonte, com 61 anos de idade e 35 de Petrobras, Graça Foster é um caso raro no meio político, ainda hereditário no Brasil. Ainda menina, quando morava no Morro do Adeus, na zona suburbana do Rio de Janeiro, com os pais e a única irmã, Rita, em uma casa bastante humilde, ela já sentia o peso da responsabilidade futura. “Saímos de Minas quando eu tinha dois anos. Meu pai era vendedor, minha mãe, dona de casa, e também costurava para fora. Tínhamos uma vida muito simples, de muita batalha, mas com muito carinho e amor. Não nos faltava o alimento, mas era o sapato da prima, a roupa de não sei quem, as tias mandavam dinheiro…”, disse à Brasileiros, em 2012.
Ela também chegou a recolher material reciclável que acabava contribuindo na renda familiar. “Ficava no meio do mato, com outras crianças, catando lata, papel, que depois vendíamos como sucata. Eu tinha 8, 9 anos. Contando assim, pode parecer que eu era uma coitadinha, mas longe disso. Foi uma época excepcional da minha vida, muito feliz, a gente brincava muito. É claro que eu via a dificuldade, aquilo tudo me deixava muito preocupada, eu era uma garota pequena, mas já percebia que eu seria a única solução para os meus pais”.
Graça entrou na estatal em 1978, como estagiária, quando ainda cursava Engenharia Química na Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela também concluiu os mestrados em Engenharia de Fluídos e Engenharia Nuclear na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ainda fez um MBA em Economia na Fundação Getúlio Vargas. Na Petrobras, passou por diversos cargos – como secretária de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, entre 2003 e 2005, quando a presidente Dilma Rousseff era a responsável pela pasta – até chegar aos bastidores do poder, em 2007, como diretora de Gás e Energia da companhia, por indicação de Dilma, uma de suas melhores amigas.
Três anos depois ela veria seu nome envolvido nas primeiras denúncias políticas quando, em 2010, quando o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem em que dizia que a empresa do marido dela multiplicou os contratos com a Petrobras a partir do ano em que ela ganhou o cargo de direção na estatal. O veículo dizia que a C.Foster, de propriedade de Colin Vaughan Foster, assinou 42 contratos, sendo 20 sem licitação, para fornecer componentes eletrônicos para áreas de tecnologia, exploração e produção a diferentes unidades da estatal. Entre os anos de 2005 e 2007, apenas um processo de compra (sem licitação) havia sido feito com a empresa do marido de Graça, segundo a petrolífera. Ela só responderia sobre o assunto em 2014, na CPI da Petrobras, quando disse que Colin nunca teve contratos com a empresa.
Em fevereiro de 2012, quando Gabrielli foi chamado pelo então governador da Bahia, Jacques Wagner, para ser secretário do Planejamento do Estado, Dilma não teve dúvidas: chamou a amiga para presidir a companhia na qual havia feito a sua carreira profissional e política. “Não planejei isso. Sempre trabalhei muito, dei muita sorte de ter escolhido uma carreira de que gosto, a Engenharia. Na verdade, sempre precisei trabalhar, não era por esporte, mas sim por necessidade. E fui gostando cada vez mais. A Petrobras sempre me deu todas as possibilidades”, disse-nos, em 2012.
Nos anos seguintes, viriam as capas de revistas e a sua presença em todas as listas de negócios e poder. Em maio de 2013, foi eleita pela revista norte-americana Forbes a 18ª mulher mais poderosa do mundo e a mais importante do Brasil, por estar à frente de uma empresa com valor estimado em US$ 120 bilhões. No mesmo ano, a também norte-americana Fortune a colocou como a mulher mais poderosa do mundo fora dos Estados Unidos e, em fevereiro do ano passado, a mesma publicação divulgou uma lista em que ela era a quarta mulher mais influente do planeta. No final de 2013, em entrevista ao IG, onde aparecia como a 17º pessoa mais importante do Brasil, ela declarou seu amor ao emprego de maneira colossal. “Para mim, existe a Petrobras e a minha vida; e não a minha vida e a Petrobras. Minha vida particular é que se adapta à Petrobras; nunca o contrário. Seria capaz de morrer pela Petrobras”, disse.
No ano passado, uma investigação em uma casa de câmbio instalada em um posto de gasolina de Brasília sem lava-jato bateu na Petrobras. A Polícia Federal concluiu que o dono do posto de gasolina, Carlos Habib Chater, usava o empreendimento para lavar dinheiro e movimentou de forma suspeita R$ 123 milhões. Chater era parceiro de Alberto Youssef, que começou a vida vendendo pastel nas ruas de Londrina, cidade do Paraná onde nasceu, e figura há mais de uma década como um dos maiores doleiros do País. Ele era parceiro de Paulo Roberto da Costa, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras acusado de integrar um esquema bilionário de superfaturamento de contratos da companhia que teria financiado campanhas políticas de forma ilegal. As denúncias cresceram durante o ano, foram tema da campanha presidencial, ganharam as páginas da imprensa internacional e, enfim, chegou em Graça Foster, num momento em que até o ex-presidente Lula havia supostamente pedido a sua cabeça. Infelizmente, ela vai continuar sendo reconhecida, mas não como queria.
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