xiste uma nova direita no Brasil ou ela é a mesma, mas com uma roupa diferente?
Ideologias políticas podem se manifestar de diferentes maneiras: como movimento social, como doutrina filosófica, por meio dos partidos políticos, seus programas, ideias que defendem, da pregação de candidatos e das votações dos parlamentares eleitos.
As pesquisas que fizemos no Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil (observatory-elites.org/) da Universidade Federal do Paraná indicaram que pode estar surgindo uma nova direita no Brasil, como corrente partidária e como bancada parlamentar.
Em 2014 a direita brasileira como um todo voltou a crescer no Legislativo, revertendo o movimento de queda constante do número de representantes que se observava na Câmara dos Deputados desde 1998. Em 2010 os partidos conservadores ganharam 36,3% das cadeiras; em 2014, 43,5%. Esse fenômeno, que não é exclusivo do Brasil, instiga a compreender suas agendas (programas), sua força eleitoral (votos) e suas bases sócio-políticas (o perfil social dos seus candidatos).
Na Europa, a direita também tem apresentado avanços eleitorais importantes. Além disso, há o retorno da extrema-direita à cena política como mostram os casos da Grécia (Aurora Dourada), Alemanha (NPD), Reino Unido (Ukip). Baseados em plataformas anti-imigrantes e céticas em relação à integração do continente, os partidos europeus de extrema-direita – sendo os mais conhecidos a Frente Nacional da França e a Liga Norte da Itália – renovam um discurso que já funcionou durante o período dos totalitarismos. Em 2014, cerca de 140 deputados “eurocéticos” foram eleitos ao Parlamento Europeu.
A nova direita, em alguns pontos, como no caso do conservantismo em relação aos costumes e das limitações impostas à liberdade pessoal (direito ao aborto, consumo de drogas não lícitas), se alinha com a velha direita, herdeira direta da Arena/PDS, e que serviu de sustentação política ao regime ditatorial-militar. Mas em outros pontos fundamentais, não. A nova direita brasileira está orientada para conviver com governos de esquerda, fazendo parte de suas coalizões de apoio, e admitir a existência de programas sociais.
Ela possui uma postura política que conserva elementos da velha direita – o (neo)liberalismo como modelo econômico e preceitos morais tradicionais. Por outro lado, essa direita ideologicamente renovada reconhece e aceita as vantagens políticas das políticas sociais implementadas pela esquerda, ao mesmo tempo que procura cortar qualquer fio que a ligue ao regime ditatorial-militar apoiado pelos partidos da velha direita.
Enquanto a direita tradicional primou pela manutenção do status quo, pelas políticas que favoreceram os mais ricos (vantagens tributárias, desregulamentação de mercados, etc.), essa nova “família de partidos” conservadores reconhece que não é possível governar sem olhar para os socialmente excluídos (e, em especial, para seu respectivo peso eleitoral). Não buscam dar melhores condições materiais de vida para os cidadãos, mas sim estabelecer um pacto de igualdade de oportunidades. A igualdade de oportunidades não deve ser traduzida, contudo, como igualdade plena. Esse seria um elemento que separa esses partidos tanto da direita tradicional – onde a desigualdade é atávica – quanto da esquerda tradicional, ligada ao igualitarismo como ideal humano.
Os partidos da nova direita seriam fundamentados na “liberdade de mercado”, o que os separa da agenda dos partidos de esquerda. Enquanto a esquerda defende historicamente maior intervenção do Estado na economia, a direita sempre esteve associada ao discurso em defesa do mercado. Desse ponto de vista, os novos partidos não apresentam novidade em relação à direita tradicional. Por outro lado, há uma manifestação de apoio à democracia.
OS ELEITOS
Se isso for verdade, é preciso verificar, portanto, a força política e o perfil dessa nova direita em comparação com as legendas conservadoras já estabelecidas.
Chamaremos a atenção para dois pontos: o percentual de deputados federais eleitos por tipo de partido e o crescimento espetacular dessa nova direita; e o perfil social dos candidatos de partidos identificados como nova direita nas últimas cinco eleições para a Câmara dos Deputados.
De acordo com a proposta de distribuição de partidos resumida no quadro acima, estudamos todos os 23.219 candidatos a deputado federal no Brasil que se lançaram entre 1998 e 2014.
O gráfico ao lado organiza as informações apenas dos 2.565 deputados eleitos, de acordo com a nossa classificação dos partidos brasileiros a cada eleição.
A figura mostra que os “outros partidos” quase não perderam posições se olharmos para os números de 1998 e 2014. A velha direita, por outro lado, mantém uma considerável queda, indo de 42% do total de cadeiras na Câmara dos Deputados, em 1998, para 27% em 2014. A nova direita, por sua vez, está em franca ascensão: se em 1998 esses partidos detinham insignificantes 0,4%, hoje eles controlam mais de 16% dos assentos legislativos.
OS CANDIDATOS
No que diz respeito às bases sócio-políticas desses partidos, analisamos as ocupações que constavam nas fichas de inscrição dos candidatos a deputado federal e classificamos as mais de 200 profissões declaradas em apenas cinco categorias: i) políticos profissionais, ii) ocupações típicas de camadas médias urbanas (em geral profissões liberais), iii) empresários urbanos e rurais (do setor bancário, comercial, industrial e agrário), iv) “novas lideranças políticas” e v) trabalhadores, uma grande categoria que engloba desde trabalhadores do setor urbano de serviços, profissionais de nível médio, até trabalhadores manuais com baixa ou nenhuma qualificação, as ocupações dos candidatos da nova direita, de 1998 até 2014.
Na codificação de ocupações, criamos uma classe ad hoc, “novas lideranças políticas”. Essas novas lideranças incluem essencialmente comunicadores e líderes religiosos. São as ocupações que pensamos serem as típicas bases sociais e políticas dos partidos da nova direita. São ocupações urbanas, com grande apelo popular e alta exposição junto aos eleitores. Estão claramente alicerçadas em um eleitorado conservador de base neopentecostal ou preocupados com a conquista da cidadania exigente com seus direitos de consumo, à exemplo dos eleitores de Celso Russomanno nas últimas eleições para a prefeitura de São Paulo ou dos eleitores de radialistas e apresentadores de televisão que mantêm a audiência com o noticiário policial dos grandes centros urbanos.
Analisando os dados sem discriminar por eleições, podemos dizer que há uma afinidade entre esses grupos de partidos e as ocupações dos candidatos a deputado. A classe “outros partidos” supera os demais no número de candidatos que são políticos de carreira ou vêm de profissões urbanas liberais. A direita política (nova ou velha, pouco importa) é o destino da maior parte dos empresários que se lançam na política. A nova direita é a corrente política que apresenta mais lideranças novas na política nacional e trabalhadores.
Esses achados não fogem do padrão já estabelecido pela sociologia política brasileira. Contudo, ao separarmos a categoria “novas lideranças”, percebemos que estas são capazes de adicionar um rendimento analítico menos descritivo do que a relação constatada entre direita e empresários. Há que se considerar, portanto, que a direita tem atraído cada vez mais esses perfis personalistas de líderes que já contam com base eleitoral difusa e formada. Por outro lado, é importante observar que é na nova direita, composta majoritariamente por micro e pequenos partidos, que os trabalhadores passam a ganhar terreno. Na medida em que o sistema partidário distribui os políticos de carreira pelos partidos estabelecidos, é na nova direita que os trabalhadores encontram abertura para lançarem suas candidaturas. Aí a competição é baixa e a chance de conquistarem uma vaga nas listas eleitorais alta.
*Cientistas políticos, Adriano Codato e Bruno Bolognesi são professores da Universidade Federal do Paraná. Karolina Mattos Roeder é mestranda em Ciências Políticas na mesma universidade
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