Como vender este produto chamado Brasil

Washington Olivetto recebe Brasileiros em seu escritório, em São Paulo. Foto: Hélio Campos Mello
Washington Olivetto recebe Brasileiros em seu escritório, em São Paulo. Foto: Hélio Campos Mello

Quarenta e cinco anos depois de ingressar no mercado publicitário para tornar-se um dos mais influentes nomes da propaganda mundial, aos 63 anos de idade, o paulistano Washington Olivetto segue colecionando honrarias. Em outubro último ele esteve em Nova York, para ser reverenciado pelo conjunto de sua obra com o prêmio Clio Lifetime Achievement Awards, oferecido pelo Clio Awards, um dos mais tradicionais festivais internacionais de publicidade, criado em 1959 por Wallace A. Ross.

Em 2001, Olivetto foi também o primeiro profissional latino-americano a vencer um prêmio Clio. Bem-humorado, ao receber a nova condecoração, ele fez graça no discurso de agradecimento aos cerca de mil presentes no Cipriani Wall Street: “Quando recebi o convite para essa homenagem, pensei ‘esses americanos arrumaram uma maneira bem sofisticada de me chamar de velho’. Depois, repensei e conclui que essa é uma ótima oportunidade de fazer o novo de novo”.

O novo, para Olivetto, como na música de Belchior, parece estar sempre fadado a vir. Dias antes de receber a reportagem da Brasileiros na sede da W/McCann (agência da qual é Chairman e CCO, derivada da fusão feita em 2010 entre a W/Brasil e o poderoso grupo norte-americano), para discutir entre outros temas a questão que dá título a essa reportagem, Olivetto foi convidado a integrar um clube ainda mais seleto que o Clio, o The Creative Hall of Fame.

Criado em 1961 pelo The One Club, entidade sem fins lucrativos que defende a criatividade como agente evolutivo, o The Creative Hall of Fame teve como primeiro homenageado o publicitário Leo Burnett. Entre os outros 55 ilustres personagens que integram a galeria dedicada às maiores estrelas da publicidade e do design mundial, estão gigantes como o empresário Steve Jobs, o designer gráfico Saul Bass, o redator publicitário Ed McCabe – convidado a ingressar no seleto grupo aos 34 anos, até hoje o mais novo deles – e George Lois, diretor de arte que marcou época na revista Esquire ao reformular o projeto gráfico da publicação, nos anos 1960, e criar mais de 90 capas icônicas.

Primeiro cidadão egresso de um país não anglo-saxão a integrar o Hall of Fame, Olivetto receberá a honraria no Gotham Hall em Nova York, em 27 de janeiro de 2015. Provavelmente, reencontrará o amigo George Lois, hoje com 83 anos. Eles se conheceram em 1987, ocasião em que, no Brasil e nos Estados Unidos, exerciam papeis parecidos. Depois de 14 anos atuando como diretor de arte da DPZ – agência de Roberto Duailibi, Francesc Petit e José Zaragoza – em 1986, Olivetto fechou parceria com a poderosa GGK, multinacional alemã conduzida por Karl Gerstner, Markus Kuttere e Paul Gredinger. “A sociedade foi um estrondo. A GGK era pequena por aqui, mas tornou-se agência do ano e ganhamos um monte de contas. Em poucos dias ficamos, por exemplo, com a Grendene, a Bombril e o Unibanco. Com o formato W/GGK, o Paul teve a ideia de fazer o mesmo em outros países, pois a GGK era flagrantemente europeia, muito alemã. Em 1987, Paul convidou George Lois para ser seu sócio em Nova York e eu fui muito influente nessa decisão, porque eu vivia falando dele. Depois de criada a Lois/GGK o Paul, num gesto de enorme carinho, resolveu reunir seus sócios – eu e Lois – e os 14 presidentes das agências GGK na Europa. Paul nos deu um presentaço: uma viagem à Suíça, num lugar lindo, a uns 45 minutos de Zurique. Além do passeio, ele resolveu colocar um amigo dele, um teórico considerado gênio, não lembro o nome, para nos dar aulas de morfologia. As aulas eram de um silêncio aterrorizante. O homem falava um inglês com sotaque alemão complicado para cacete e as únicas coisas que se ouvia, além dele, era o sino da igreja ou de alguma vaca. Para quebrar o gelo, fiz até uma piada. Uma hora tocou ou o sino da igreja e falei ‘professor acaba de passar por aqui a maior vaca da Suíça’. No meio daquele monte de alemães comportados, Lois e eu éramos a turma do fundão. Nos quatro dias que estivemos lá, combinamos de fugir a noite para Zurique, para ouvir jazz. No último dia, foi feita uma prova sobre as coisas que aprendemos nas aulas de morfologia. Só não fomos os melhores alunos, porque éramos muito irreverentes. Inclusive, nesse dia, George não hesitou em falar para o homem ‘fuck your morphological class!’ (f…-se sua aula de morfologia).”

Do pneu furado ao topo do Google

Publicitário com a maior incidência de pesquisas latino-americanas no Google, Washington Olivetto é citado mais de 240 mil vezes no site de buscas. Colecionador de Leões, prêmio máximo do Festival de Publicidade de Cannes – ele conquistou mais de 50 –, Olivetto iniciou sua carreira em 1969, num episódio exemplar de sua personalidade criativa, conhecido para quem é do meio publicitário, mas que vale ser relembrado. “Eu fazia duas faculdades. Psicologia, na FAAP, e Comunicação, na PUC. Uma de manhã e outra a noite. Não conclui nenhuma delas. No curso da noite, na PUC, com 18 anos de idade, arrumei uma namorada de 27. Sou filho de classe média muito média, meu pai se matou de trabalhar para poder me dar um carro quando eu entrasse na faculdade e ganhei um Fusca usado. Minha tia, que não suportava a ideia de o marido bonitão, bem sucedido e sem filhos ter um Kharmann Ghia, o fez trocar de carro comigo. Me dei bem, mas a ideia de ter uma namorada mais velha e viver de mesada era um tormento. Morria de vergonha. Foi então que resolvi trabalhar. Um belo dia, eu estava descendo a rua Itambé, em Higienópolis, e furou um pneu do meu Kharmann Ghia. Vi uma placa onde estava escrito ‘HGP Publicidade’ e resolvi pedir um estágio. O dono da agência era um cara adorável, chamado Juvenal Azevedo. Nos encontramos na porta da agência e falei para ele que queria conversar com o dono. Ele se apresentou e eu disse ‘ok, se eu fosse o senhor, me daria essa oportunidade, pois vou ser muito bom nesse negócio e só estou aqui porque meu pneu furou e não perca a oportunidade, pois meu pneu não costuma furar duas vezes na mesma rua’. Juvenal gostou da minha formulação e me deu um estágio. Três meses depois, ele chegou para mim e disse ‘você tem um potencial absurdo e essa agência, infelizmente, não tem a mesma perspectiva de crescer que você tem’.”

MIMO II - Colegas da McCann nos EUA também reverenciaram a conquista  do prêmio Clio com uma peça que lista outros grandes feitos do brasileiro - foto: divulgação/mccann
MIMO II – Colegas da McCann nos EUA também reverenciaram a conquista
do prêmio Clio com uma peça que lista outros grandes feitos do brasileiro – foto: Divulgação/Mccann

Mesmo com alcance restrito no mercado publicitário, na HGP Olivetto começou a fazer história. À época, aos domingos, circulava em São Paulo o tabloide Shopping News. Nele, o colunista Cícero Silveira elegia, com patrocínio do licor Cointreau, o anúncio da semana. O vencedor era agraciado com quatro garrafas da bebida. Com slogans modernos, como “Seguro é como whisky, se é bom não dá dor de cabeça”, criado para a seguradora Indiana, “Não estrague tudo na hora de ir para a cama”, dos colchões Epeda, e “Dê um televisor ABC para a primeira mulher da sua vida”, campanha do Dia das Mães da extinta fábrica ABC, Olivetto abriu uma série de cinco premiações, passou a chamar a atenção de seus pares e, claro, estocou 20 garrafas de Cointreau.

Já no segundo emprego, na agência Lince, Olivetto conquistou, aos 20 anos, seu primeiro Leão de Bronze em Cannes – até então o terceiro do País – com um filme para as torneiras Deca, que enaltecia a eficácia do produto a prova de vazamentos. Na Casabranca, surgida após a entrada do publicitário Julio Ribeiro como sócio da Lince, ele assumiu a conta da rede Bandeirantes de TV. A emissora paulistana havia começado a exibir a série norte-americana Cannon, cujo protagonista Frank Cannon, um detetive, era interpretado por William Conrad. Como o ator era obeso, calvo e estava longe de ter o estereotipo de galã, Olivetto teve uma grande sacada, que ajudou a abrir caminho para sua trajetória de 14 anos como uma das principais cabeças da DPZ. “Decidi fazer um anúncio que tinha a foto do Cannon e dizia assim ‘Este é o mocinho do filme que a Bandeirantes apresenta hoje a noite. Imagine a cara do bandido…’. Nessa época, a DPZ crescia loucamente e o Petit falou para o Duailibi que precisava contratar um redator. Disse ainda que deveriam ir atrás de dois caras bons que despontavam no mercado: o tal menino que havia ganhado o Leão de Bronze em Cannes e o garoto que tinha feito o anúncio do Cannon para a TV Bandeirantes. Foi então que tive o enorme privilégio de dividir a mesa com o senhor Francesc Petit durante 14 anos. Esse relógio que estou usando, ganhei dele quando fiz 30 anos de idade. Ficar tantos anos na DPZ foi uma escolha sábia, me sentia muito bem, era muito bem pago e paparicado, mas, num determinado momento, percebi que tudo que eu podia fazer lá já tinha sido feito. Foi então que aceitei o convite do Paul Gredinger para criar a W/GGK.”

Alô, alô W/Brasil / Como vender o Brasil

Sempre de olho nas perspectivas de ampliação dos negócios, não tardou para Olivetto concluir que a parceria com a agência alemã chegaria a um teto. Em 1988, dois anos depois da fusão, ele comprou a parte da GGK na sociedade W/GGK para inaugurar a W/Brasil. “Apesar da minha relação de eterna Lua de Mel com Paul, naquele momento, a GGK não tinha nada a acrescentar para mim, porque as contas mais importantes que eles tinham eram europeias e a maior parte delas era administrada pela filial americana da GGK. Não caia no meu colo, por exemplo, a Volkswagen do Brasil”, esclarece.

Na W/Brasil, Olivetto levou a conquista de honrarias à estratosfera. Com a agência, ele conquistou mais de mil premiações – ele também foi o primeiro brasileiro a ganhar um Leão de Ouro no festival, em 1974, não por acaso sua biografia, lançada em 2005 por Fernando Morais, chama-se Na Toca dos Leões (Editora Planeta do Brasil). A excelência criativa de Olivetto fez com que o publicitário deixasse gravadas na memória afetiva de milhões de brasileiros campanhas como a dos amortecedores Cofap, cujo “garoto propaganda” era um simpático cão da raça basset, a do primeiro sutiã, feita para a Valisère, e Hitler, feia para a Folha de S. Paulo em 1988 – aliás, os dois últimos, são os únicos filmes publicitários brasileiros a integrar a lista Os Cem Maiores Comerciais de Todos os Tempos.

Olivetto e a agência criada por ele em 1988 também ajudaram a inspirar dois grandes sucessos musicais, que consolidaram a nova fase de Jorge Ben, autointitulado Jorge Ben Jor, a partir de 1989, segundo ele, para evitar confusões com o nome do guitarrista George Benson e a perda de direitos autorais. Em 1990, Jorge tomou de assalto rádios de todo o País com os samba-funks W/Brasil e Engenho de Dentro – este último traz os versos “A cabeça do Olivetto é igual a uma cabeça de negro / Muito QI e TNT do lado esquerdo”.   

A decisão de incluir o nome Brasil na razão social da nova agência, foi inspirada pelo momento transitório, de redemocratização, experimentado pelo País no final dos anos 1980. Corintiano fanático – ele, inclusive é diretor de marketing do clube – Olivetto foi um dos idealizadores da chamada Democracia Corintiana, movimento iniciado pelos jogadores do clube alvinegro em 1982 que, a partir de seu exemplo de colaboracionismo e igualdade, ajudou inspirar a campanha da Diretas Já!. Mas engana-se quem acha que o publicitário coloca sua experiência a serviço da política. Característica que é motivo de orgulho para ele. “Quando criei a W/Brasil eu até usei isso como um diferencial da agência, pois decidimos trabalhar exclusivamente para a iniciativa privada. Por que não faço campanhas para estatais? Porque, se eu não faço campanhas políticas, é coerente que eu também não trabalhe para o governo. Isso, inclusive, me alijou de trabalhar com empresas governamentais brasileiras que eu admiro profundamente, como os Correios e a Petrobrás que, nesse momento, sofre todas as intempéries.”

Foto: hélio campos mello
Foto: Hélio Campos Mello

A propósito dos escândalos de corrupção na maior estatal do País, Olivetto encerra a conversa, feita em sua sala de reuniões na sede da W/McCann, com um diagnóstico e recomendações de como melhorar, no mercado internacional, a imagem deste ‘produto’ chamado Brasil. “Para ‘vender’ o Brasil, a propaganda é muito importante, mas ela é parte de um composto mercadológico, no qual a primeira coisa fundamental é a feitura de um bom produto. Depois de termos esse bom produto é preciso pensar se ele está posicionado corretamente. Também é preciso saber se ele tem um preço adequado e, no caso de um governo, o consumidor é quem paga o preço chamado imposto. Somente depois disso é que entramos na questão ‘como é que esse produto vai ser bem comunicado’. Tivemos nos últimos anos uma flagrante sensação de melhoria do produto Brasil, mas recentemente nos roubaram essa sensação. Qualquer publicitário brasileiro, de uma geração anterior a minha ou da minha, praticamente não trabalhou fora de crise. Se tem uma coisa que publicitário brasileiro tem de sobra é know how em crise. Há uns oito meses recomendei colocar a W/McCann num ‘spa’ para deixar a agência mais enxuta – não para economizar dinheiro, mas para aumentar a eficiência. O mesmo vale para o Brasil, e digo que sou otimista, pois é da minha profissão ser otimista. Mas é preciso ser otimista, do ponto de vista criativo, e realista, do ponto de vista administrativo. Se alguém me pede uma frase a meu respeito, eu costumo dizer que, na categoria Washington Olivetto, eu sou o melhor que existe, porque sempre procurei ser o melhor que posso ser. O Brasil precisa ter a ambição de ser o melhor Brasil que ele pode ser.”


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