As ruas da região da Luz e dos Campos Elíseos, em São Paulo, abrigam historicamente pessoas em situação de rua e miséria, muitas delas são dependentes de drogas. Desde os anos 1990, os poderes públicos tentam intervir na área com o objetivo de retirar essa população do local. As tentativas que partiram da segurança pública, sempre trataram com repressão as pessoas que vivem ali, em ações como a Operação Limpeza (2005), a Operação Dignidade (2007) e a Operação Sufoco (2012).
Essas ações serviram apenas para a “consolidação de uma territorialidade itinerante” que ficou rotulada pejorativamente de “cracolândia”, como informa o “Relatório da Pesquisa de Avaliação Preliminar do Programa De Braços Abertos”, programa de redução de danos da Prefeitura de São Paulo. Nunca almejaram promover melhorias nas condições de vida e de saúde das centenas de pessoas que permanecem no local.
Na manhã de sexta-feira (5), o Denarc, departamento da Polícia Civil de combate às drogas, e a Tropa de Choque, da Polícia Militar, deflagraram mais uma operação. Invadiram o local, vasculharam hotéis e trataram de maneira truculenta seus moradores. Foram usados jatos d’água, bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar quem estivesse por ali. Todas as ruas foram cercadas. Por volta de 500 policiais estiveram envolvidos na ação, que tinha como objetivo cumprir 27 mandados de prisão para tráfico de drogas. A Prefeitura de São Paulo afirmou, em nota, ter acompanhado a operação, que atingiu dois hotéis credenciados pelo Programa de Braços Abertos, onde vivem 97 beneficiários. Os responsáveis pela iniciativa na prefeitura não quiseram dar entrevistas.
“Operações como essa prendem muita gente e apreendem quantidades de drogas que parecem expressivas, mas a um custo enorme de violência contra as pessoas que vivem ali”, afirma o coordenador científico da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, Mauricio Fiore, pesquisador e diretor administrativo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Ainda que a ação tenha conseguido desbaratar uma quadrilha, qual o resultado positivo na vida de quem mora ou circula por ali? Alguém acredita que por conta de uma megaoperação policial alguém irá parar de consumir crack ou até mesmo diminuirá a venda de drogas ilícitas na região? O uso da Tropa de Choque é compatível com a ideia de operação de inteligência policial? Como fica o vínculo dos usuários com as equipes de assistência depois de bombas e balas de borracha?”, alerta Fiore.
Um meio de agir no local, que considera a dimensão da saúde e dos direitos humanos, é o programa De Braços Abertos, encampado pela Prefeitura de São Paulo. Seu objetivo é atuar em um espaço urbano central tido como degradado e violento pela maior parte da população por meio de uma política de apoio e cuidado, utilizando técnicas de redução de danos. O relatório de avaliação do programa indica que, ainda que tenha inúmeras controvérsias, o “De Braços Abertos” tem forte potencial de ser replicado. Oferece abrigo aos dependentes de drogas, oportunidade de trabalho e renda, três refeições por dia e acesso a serviços de saúde. “Tratou-se de um tipo de ação pública inédito, especialmente considerando a enorme diferença qualitativa deste programa em relação às medidas repressivas anteriores”, demonstra o documento.
No período da pesquisa (2015), 370 pessoas viviam no local, a maioria tinha entre 30 e 39 anos e 70% eram negros. Do total de pesquisados, 73% tinham filhos e 47% disseram não ter nenhum amigo com quem possa contar. Sobre as condições de saúde, 19% tinha tuberculose e 18% tinha hepatite. Depois de aderirem ao programa, 65% reduziram o consumo de crack e 50% o de cocaína aspirada e tabaco.
A escolha por enfrentar o problema das drogas por meio do combate policial e militar não combina com o grau de vulnerabilidade das pessoas que precisam da atenção do Estado. O uso da força policial se justifica apenas com o objetivo de encarcerar e matar pessoas – geralmente pobres e negras. Não tem resultados positivos na venda de drogas. E as pessoas que são dependentes químicos e estão em situação de alta vulnerabilidade social não podem se sentir abandonadas pelo poder público. É papel do Estado tratar dessa situação sob a ótica dos direitos humanos e não apenas da segurança pública, para ser coerente com a Constituição do Brasil.
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