As eleições para a próxima gestão da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, instituição que tem 450 anos e atravessa a mais grave crise de sua história, estão marcadas para 14 de maio. O nome mais cotado para o cargo de provedor (equivale a presidente) é o médico pediatra José Luiz Egydio Setúbal, 58 anos, que comanda o Hospital Infantil Sabará, é herdeiro do Banco Itaú e membro da Irmandade de Misericórdia (conselho formado por 500 notáveis da cidade de São Paulo). Há dois anos, Setúbal perdeu a eleição para provedor para Kalil Abdalla, que renunciou em abril deste ano após ter seu sigilo bancário e fiscal quebrados a pedido do Ministério Público. Agora, a comunidade da Santa Casa deposita novamente em Setúbal a esperança de uma gestão que evite a falência da instituição que atende cerca de quatro milhões de pessoas por ano. Em entrevista à Brasileiros pouco antes de viajar à Holanda, onde se encontra agora, Setúbal disse que só aceita o desafio mediante um pacto a ser firmado entre todos os envolvidos no resgate da instituição, especialmente o governo. Aqui , ele define seus termos.
Brasileiros – A Santa Casa de São Paulo tem salvação?
José Luiz Setúbal – A Santa casa só tem salvação – e a cada dia que passa essa salvação fica mais difícil – se houver uma conjunção de forças. Uma união entre os membros da Irmandade (composta por 500 pessoas com representatividade na sociedade paulista), os funcionários, os governos federal, estadual e municipal, os devedores e a sociedade civil. Se não houver essa conjunção de forças, não tem salvação.
O Sr. é o candidato do consenso?
Ainda não sou candidato. Só aceito a candidatura se tiver o que fazer na Santa Casa. Não sou a pessoa que irá fechar o prédio e colocar a placa de vende-se. Quando aceitei anteriormente ser candidato, em 2013, era um momento muito específico. Eu e outros ex-alunos havíamos sido convidados há alguns anos para voltar à instituição para ajudar a resolver a crise. Por isso, passei a estudar a situação da Santa Casa. Fiz uma análise de dados publicados no Diário Oficial por doze anos e pedi à consultoria McKinsey um estudo. Mandei essas informações para todos os membros da Irmandade alertando para a situação gravíssima. Infelizmente, aconteceu tudo o que eu falei e escrevi nas cartas da campanha de 2013 e na minha página do Facebook (que foi recentemente invadida e desativada para novas postagens). Por isso há pessoas que me vêem como a salvação da Santa Casa. Mas eu não sou o salvador da pátria e não vou resolver sozinho os problemas.
Quais são as suas condições para assumir a liderança da Santa Casa?
Primeiro, a Santa Casa tem que estar unida. Eu não tenho dúvida sobre isso. E não precisa estar unida em torno do meu nome. Hoje eu ganharia a eleição tranquilamente de qualquer candidato, mas não é disso que se trata. E se tiver alguém que queira ser candidato, eu não farei oposição. Como não fiz ao Dr. Kalil (o ex-provedor Kalil Abdalla). Só ajudei, fiz doações.
Que tipo de compromisso o Sr. espera do governo para resgatar a instituição?
Existe, por exemplo, uma dívida enorme da Santa Casa com a Caixa Econômica. Não quero que a Caixa perdoe a dívida. Eu quero que ela ajude a resolver o problema da dívida. Vamos supor que me dê uma carência de quatro meses. Falo supor porque não sei o montante da dívida e nem as condições atuais. Senão, a instituição vai falir e ninguém não vai receber. Agora, tudo isso tem que ser conversado. Tem que chegar para o Ministro (da Saúde) e dizer: O Sr. quer que resolva a Santa Casa? Então me ajude. Chegar para o Governador e perguntar se ele vai ajudar a Santa Casa a sobreviver três ou quatro meses. Depois eu pago esse dinheiro. Não quero que me dêem dinheiro, quero que me dêem condições, o que implica em abrir um pouco o cofre.
Na última reunião da direção da Santa Casa, falou-se em cobrar os precatórios.
Não sei o valor dos precatórios. Mas não adianta ter um precatório e pagar daqui a 20 anos. Se o governo deve R$ 120 milhões à Santa Casa, precisar pagar. Pague hoje.
As eleições estão marcadas para 14 de maio. Vai dar tempo de conversar com as autoridades?
Eu quero que essa eleição seja depois para ter tempo de falar com o ministro, o governador, prefeito e os secretários de Saúde, a presidência da Caixa Econômica. E por compromissos anteriormente assumidos, não estarei aqui no dia 14 de maio. Passo esta semana em Amsterdam, volto sexta-feira, fico uma semana em São Paulo e viajo novamente. Tenho uma agenda cheia até o final do ano e se for mesmo candidato, precisarei mudar minha vida. As pessoas não acreditam quando digo que não queria ser provedor, mas é verdade. Tenho muito que fazer.
Então por que as eleições foram agendadas em um prazo tão curto?
Porque as pessoas têm pressa de empurrar o abacaxi. Por isso estou falando que nos próximos quinze dias muita coisa pode mudar. Então se você me perguntar se sou candidato, digo que aceitei ser, mas ainda não sou. Não saiu edital, não me inscrevi.
Por que assumir um fardo tão pesado?
A Santa Casa é uma instituição que atende cerca de quatro milhões de pessoas por ano. Quer dizer, atendia, porque o último relatório que vi mostrava que esse atendimento havia diminuído bastante. Falo da necessidade de preservar a instituição. Porque a Santa Casa foi e é muito importante para a saúde da cidade. Ela existe porque muitas pessoas doaram seu tempo, seu dinheiro, seus imóveis e uma série de coisas para aquilo existir. Ela é também o berço de três entre as dez melhores faculdades de medicina do País: a da própria Santa Casa, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A Santa Casa é muito maior do que os homens, é um patrimônio cultural de São Paulo, um patrimônio de um povo. Perdê-la é muito triste. Corresponde à falência de uma sociedade que não soube cuidar dela própria.
Além da sua candidatura, há outros 50 membros que compõem a mesa administrativa (equivale a um conselho gestor) e são eleitos na mesma chapa encabeçada pelo provedor. Como serão escolhidos?
A eleição será para provedor, não é da chapa. A chapa permanecerá a mesma. Na semana passada, indicamos cinco pessoas para participar da atual mesa administrativa. Temos o compromisso colocar pessoas mais afinadas com o nosso pensamento com o decorrer do tempo.
Os outros 45 serão gradativamente substituídos?
Não serão todos. Tem muita gente boa que eu gostaria que continuasse e muita gente que não deveria estar lá.
Então será uma transição.
Se a Santa Casa não se unir como instituição, será difícil unir a sociedade de São Paulo para salvá-la. Se os próprios membros da mesa e da Irmandade não estiverem interessados, que dirá os outros.
Qual é o tamanho do buraco financeiro da Santa Casa? Documentos do Ministério Público (MP) indicam cerca de R$ 773 milhões de reais.
Eu não sei o tamanho exato do buraco e quero saber. Por isso preciso do acesso às contas da Santa Casa. As pessoas que indicamos à mesa administradora irão olhar essas informações.
A convivência na mesa administrativa entre novos e antigos está dando certo?
Eu não tenho problema em assumir uma mesa administrativa em minoria e não me preocupo com a Irmandade. Obviamente há pessoas muito ligadas ao ex-provedor que, se ficarem, vão me atirar pedra o tempo todo. Eu preciso é ter garantias de que as contas de 2014 sejam apresentadas antes das eleições e aprovadas. Estatutariamente, deveriam ter sido apresentadas até 30 de abril, mas não foram. Eu não quero ter relação com a aprovação desse balanço. Se tivesse que aprovar, eu teria de recusar.
Os problemas da Santa Casa de São Paulo se repetem em outras instituições similares pelo País?
Cada Santa Casa é uma e tem problemas diversos, mas há muitos problemas em comum. Elas não foram feitas para fazer atendimento em saúde, mas para fazer misericórdia. Quando eu era estudante de medicina, havia o hospital Santa Isabel que atendia o contribuinte que pagava INAMPS e a Santa Casa que atendia os que não tinham nada, os pobrezinhos. Com o SUS, em 1988, a Santa Casa passou a prestar serviços de saúde e parou de ir atrás das doações que a mantinham porque o governo pagava. Ao longo dos anos, o governo foi pagando cada vez pior. Isso se tornou um problema associado ao fato de não haver mais doações.
O dinheiro recebido seria suficiente se não fosse mal gerido?
Não sei e gostaria de saber. Arrisco dizer que a falta de governança da Santa Casa é pior do que o malfeito ali. A falta de controles que havia favorece um grau de corrupção, mas eu acho que a má administração na Santa Casa é pior do que a corrupção, que ali é pequena. Já a corrupção relativa a medicamentos não é administrativa. Infelizmente, muitas vezes, é feita pelos meus colegas médicos.
O Sr. tinha conhecimento dos desvios e problemas administrativos da instituição?
Boa parte da pesquisa do começo do processo do Ministério Público veio de um material que chegou às minhas mãos durante a campanha de 2013, mas eu não divulguei porque não fora conseguido de maneira lícita e iria denegrir a Santa Casa. Se tomasse posse, investigaria e entregaria para o Ministério Público. Não ganhei a eleição e, depois, as pessoas me procuraram para saber o que fazer com aquilo. Eu disse que deveria ser entregue ao Ministério Público, porque essas pessoas estavam espoliando a Santa Casa.
Eram provas?
Eram indícios muito grandes. Mas a prova precisava ser obtida dentro da Santa Casa.
O Sr. é acionista do Banco Itaú. O Banco vai investir na recuperação da Santa Casa?
O Banco Itaú não tem nada a ver com o José Luiz e não existe solução mágica. A recuperação da Santa Casa é um processo a longo prazo, algo de dez a quinze anos. Eu consigo passar o chapéu em grandes empresas, mas se fosse há um ano, eu tinha o comprometimento de muita gente disposta a ajudar. Hoje já não sei, porque a situação econômica do País é muito ruim. Por isso, se o governo não estiver interessado em ajudar, se a Caixa Econômica não estiver disposta a ajudar e se a sociedade civil não se envolver, nada vai mudar. Ninguém vai receber nada e será a população a maior prejudicada.
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