Crítica: Edgardo Antonio Vigo: Usina permanente de caos criativo

"No va mas!!!" 1969), Edgardo Antonio Vigo
“No va mas!!!” 1969),
Edgardo Antonio Vigo


Pode parecer um gesto
do acaso objetivo, mas a coincidência, em Buenos Aires, da primeira retrospectiva do poeta Edgardo Antonio Vigo (Rio de la Plata, 1928-1997) e da mostra coletiva Poéticas Oblícuas, outra exposição ambiciosa sobre a linguagem poética experimental na Argentina, aponta para uma caraterística desta escritura visual que é exercida, precisamente, através de diagonais. Trata-se de uma geometria poética cujos signos em xeque são valorizados pelo grau de obliquidade – leia-se também estranhamento –, pela equidistância que mantém em relação à linguagem e à realidade, como poéticas que atravessam os interstícios desses universos, revelando assim a sua condição de escrituras entre, portáteis, mistas. Ainda mais com o pioneirismo do multipoeta argentino, já que uma de suas propostas mais cultuadas chamava-se, precisamente, Diagonal 0, um projeto gráfico que atravessava tanto disciplinas como territórios artístico-geográficos.

A mostra histórica do Museu de Arte Moderna (MAM), de Buenos Aires, passeia pela prolífica atividade de editor de revistas, artista visual, poeta experimental, xilógrafo autodidata, artecorreísta, criador de objetos, crítico e ensaísta. Durante mais de quatro décadas, desde os anos 50 até a morte, sua produção se revela pautada pela convergência da poesia e do conceitualismo, como matriz de uma poesia expandida, em ação, que mexe com as categorias do gênero e da recepção. Assim se inscrevem tanto os desenhos, colagens e objetos (confessionalmente inúteis) quanto as diversas publicações de arte correio – inclusive sua atividade mais clássica, ligada à xilogravura, que deu origem ao Museu da Xilografía de La Plata (1968) e também suas ações de rua, batizadas de señalamientos (assinalamentos, 1968-1975).

Dessa forma, a utilização de um semáforo de rua, a margem de um rio, ou as sucessivas revistas de poesia visual ou ainda a via da arte postal – em que as colaborações internacionais quebravam qualquer apartheid geopolítico cultural – foi parte de um corpus artístico em movimento que utilizava qualquer elemento (da natureza, urbano, da textualidade, da imagética, do correio) como signo de linguagem em expansão, em rotação. Não em vão, Vigo foi um ativista da ruptura dos espaços convencionais da arte e da aura consagrada do objeto artístico (com meios de materialidade “pobre”), o que se traduziria em atividades longe dos museus ou galerias, como escolas, sindicatos ou associações de vizinhos.

Como era de se prever em uma mostra dessa natureza, se produz aquela sensação porosa entre obra e documento – como acontecia no conceitualismo –, que permeia grande parte do espaço expositivo, de uma museografia rigorosamente moderna, sintética. Os painéis dão conta de experiências e ações, assim como de instigantes séries de colagens em que imagens, tipografia, geometria matemática e materiais gráficos realizam sua dança visual com imaginários da eletricidade ou da relatividade: e onde se destaca São Paulo, uma série feita durante uma visita à cidade nos anos 1960.

Já as diversas vitrines horizontais apresentam a arte veiculada através do correio, com grandes participações internacionais – inclusive de poetas brasileiros ligados ao poema-processo, movimento em sintonia clara com Vigo – ou as experiências das publicações como editor (desde WC, Diagonal 0 até Hexágono´71). Tudo fazia parte dessa aposta a favor de uma poesia em litígio com a ideia conservadora de poesia versicular. De fato, a mirada de Vigo considerava a prática artística como uma potência de intervenção e mudança não só estética. Daí a organicidade crítica e política de sua obra e o uso da história em maiúsculas (fosse a Guerra do Vietnã ou o Massacre de Trelew) e da mais simples cotidianidade com o mesmo valor.

Se o reconhecimento local chegou no final dos anos 1990, o internacional se exemplificou parcialmente na Bienal de São Paulo (1994) e na Bienal do Mercosul (1997 e 2009), ou seja, em macromostras coletivas. Como em outros casos artísticos, a obra de Edgardo Antonio Vigo, um poeta e artista múltiplo que fez da Ciudad de la Plata sua usina permanente de caos criativo – sua sinalética –, espera ainda o aggiornamento crítico mais global à altura de sua pioneira poética.


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