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Dois planetas orbitando dois sóis. O inédito fato astronômico divulgado nesta terça-feira, dia 28, durante a Assembleia Geral da União Astronômica Internacional em Pequim, pode ser considerado um marco para as pesquisas da área.
A descoberta foi revelada por um grupo de cientistas da Universidade Estadual de San Diego, em estudo liderado pelo astrônomo Jerome Orosz, e confirma uma teoria sustentada há tempos por especialistas: a de que é possível encontrar planetas circumbinários (que orbitam ao redor de duas estrelas) localizados em uma “área habitável”, similar às condições da Terra e com possível presença de água em sua superfície.
Batizado como Kepler 47, o sistema está situado a cinco mil anos-luz da Terra. Uma de suas estrelas tem tamanho similar ao do Sol do nosso Sistema Solar, enquanto a outra tem um volume três vezes menor. Elas levam sete dias e meio para orbitarem uma em volta da outra.
Um dos planetas que orbitam em volta dessas estrelas é três vezes maior do que a Terra e leva 49 dias para realizar o percurso em volta dos dois sóis. O outro, um pouco maior que Urano, leva 303 dias para completar o mesmo percurso, fator que o coloca na chamada “área habitável”. Contudo, a universidade americana acredita que este planeta seja um “gigante de gás”, inapto para a vida.
Sua descoberta, porém, indica que outros planetas nestas condições possam existir, e aumenta as esperanças de que um destes seja adequado às condições de vida como conhecemos na Terra. Antes deste sistema, quatro outros sistemas de planetas que orbitam ao redor de duas estrelas haviam sido descobertos, mas o Kepler 47 se torna o primeiro com dois planetas.
Para o astrônomo Joshua Carter, coautor do estudo e analista do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, o conhecimento do novo sistema mostra que “pode haver planetas como os de nosso Sistema Solar, mas com dois sóis”.
Em entrevista à Brasileiros, o Professor Doutor Enos Picazzio, do Departamento de Astronomia da USP, falou sobre a importância que a descoberta pode ter para a área de estudos astronômicos e os avanços que esta descoberta pode alavancar. Especialista em Astrofísica do Sistema Solar, Picazzio acredita que a revelação “é uma vitória do cálculo matemático” e mais uma previsão dos especialista que se confirma. Confira abaixo:
Em sua opinião, o que significa essa descoberta do primeiro sistema de dois planetas circumbinários para a astronomia mundial?
É bastante sabido que a quantidade de estrelas que nascem de uma grande nuvem e a quantidade de estrelas binárias é muito grande. Na realidade, grande parte das estrelas são sistemas duplos, triplos e assim por diante. E pelos modelos de formação já se previa a possibilidade de existirem planetas em sistemas múltiplos. É um problema mais complexo para você avaliar como é este sistema, como se formariam as órbitas e como o sistema evoluiria. É mais complicado do que numa única estrela, porque tem influência externa, enquanto as duas estrelas elas giram em torno delas mesmas.
Na realidade você pega um ponto de equilibro entre as duas, como se fosse uma barra de halterofilismo. Se de um lado tem um peso maior então o ponto está mais próximo do ponto maior, isso é chamado centro de massa, então as duas estrelas giram em torno dele e o sistema planetário que se forma também passa a girar em torno desse centro de massa. No fundo esta era uma coisa que já se previa há muito tempo, e quando um sistema como esse é descoberto, é uma constatação de uma previsão, uma espécie de uma vitória do cálculo matemático. Netuno, por exemplo, foi descoberto por uma previsão matemática. Urano foi o primeiro planeta descoberto com telescópio, e Netuno foi a primeira vitória, o primeiro planeta descoberto por previsão teórica. Neste caso é mais uma previsão teórica que está se confirmando: que o processo de formação de estrelas pode ter sistemas duplos ou triplos, que acaba se formando esse disco e que nesse disco você tem uma família de objetos com uma configuração dinâmica e mais complexa.
O estudo mostra que pode haver planetas localizados em áreas habitáveis, com a única diferença de que orbitam ao redor de dois sóis. No entanto, é provável que estes planetas não sejam aptos para a vida. É possível que se encontrem outros planetas habitáveis nessa mesma situação?
Sim, mas voltamos outra vez para a questão da previsão. Zona habitável é uma região em que você teria condições de manter água nos três estados, caso houvesse nessa região, um planeta que já tenha uma atmosfera, e assim por diante. Mas a primeira coisa que se verifica em todos esses sistemas que estão descobrindo é que a maior parte dos objetos que estão próximos das estrelas não são planetas pequenos, como a Terra, mas são planetas gigantes. Alguns destes são chamados megaplanetas, bem maiores do que Júpiter, e estão tão próximos que praticamente estão vaporizando, apesar de sua enorme força gravitacional, que tenderia a manter uma grande atmosfera.
Agora, quando você faz esse cálculo em cima de um sistema binário, desde que a dinâmica seja ligeiramente favorável – quer dizer, se você tiver estrelas que estão próximas entre elas, de certa forma é mais fácil do que se elas estiverem muito separadas. Se você faz um estudo dinâmico é possível você ver que existe, mesmo em sistemas binários, condições de manter uma região que daria dentro dessas características na zona habitável.
No fundo é mais uma previsão que se verifica, desde que você tenha uma zona habitável, aí fatalmente você vai procurar aquilo que o ser humano está tão interessado, que é um planeta que tenha condições de desenvolver uma biosfera, que não seja relativamente grande, que não esteja relativamente próximo, que a órbita não seja muito excêntrica, que não tenha movimento sincronizado, enfim, existem uma série de condições que dariam a possibilidade de uma biosfera para o planeta. Nesse caso, se calcula que seja uma zona habitável e que dentro dela tenha um planeta, mas neste caso segue mais a tendência de ser um planeta gigante do que um planeta do tipo rochoso ou algo desta natureza.
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