Virou notícia na terça-feira (1º) a decisão do dono da incorporadora Cyrela, Elie Horn (71 anos), de doar 60% do seu patrimônio pessoal, estimado em US$ 1 bilhão (R$ 3,9 bilhões), a causas sociais. No mesmo dia, no entanto, o Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro resgatatava 11 operários que estavam em condições similares à de escravo em obra em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, da construtora Living Amparo Empreendimentos Imobiliários, pertencente ao grupo Cyrela.
Horn é o primeiro brasileiro a aderir ao “The Giving Pledge” (Chamada à Doação, em tradução livre), programa criado em 2010 por Bill Gates e Warren Buffett, informa o jornal Folha de S.Paulo. “Queria doar 100%”, disse Horn, durante o 4º Fórum Brasileiro de Filantropos & Investidores Sociais. “No começo, minha mulher não gostou muito, brigou um pouco, mas depois aceitou”, disse ele, tirando gargalhadas da plateia.
Em sua carta de adesão, o empresário garante que a inspiração foi o falecido pai, que fez o mesmo. “Pela presente, eu reconfirmo meu compromisso assumido há quase dez anos de doar até 60% dos meus bens para caridade.”
Também na terça veio a público os detalhes sobre o alojamento em que os 11 trabalhadores terceirizados pela Living/Cyrela se espremiam. “Eles viviam em condições bem degradantes. Havia muito cheiro de mofo, baratas, não tinha chuveiro, a descarga não funcionava e eles precisavam de um balde com água para fazer descer os dejetos”, relatou a procuradora do trabalho Guadalupe Couto, que participou da operação.
Em um dos quartos, dormiam seis trabalhadores em três beliches, enquanto no outro, sem janela e nenhuma entrada de luz natural ou ventilação, dormiam duas pessoas. Os demais ficavam em colchonetes pela sala, também sem janela.
Todos os terceirizados foram trazidos de outros Estados para pintar a fachada do Residencial Verdant Valley, em Jacarepaguá. Uma vítima de 25 anos que não quis se identificar saiu de São João do Paraíso, em Minas, para trabalhar como pedreiro. Ele afirma que, como só havia um banheiro, os colegas montaram uma escala de manhã, que começava por volta de 4h, para que todos pudessem se arrumar. Depois, iam todos os dias caminhando até a obra, a cerca de 4km. “Chegamos a pedir para a empresa veneno para matar as baratas”, disse.
De acordo com a procuradora, não há dúvidas sobre a responsabilidade da Cyrela. “Ficou claro que o grupo Living/Cyrela terceirizou e até quarteirizou as atividades principais da empresa, de forma irregular, com o objetivo de sonegar direitos trabalhistas para baratear os custos com mão de obra”, afirmou Guadalupe. Ela adiantou que o MP vai entrar com ação civil pública para requerer dano moral coletivo pelos prejuízos causados à sociedade com o uso do trabalho análogo a de escravo. “Todos os terceirizados estão subordinados às ordens da Cyrela, que deveria ter pessoal próprio para executar as atividades para a construção dos imóveis a que ela se propõem.”
A informação não combina com o discurso do maior acionista da Cyrela durante o fórum. “A moeda do bem é a única conversível neste e no outro mundo”, disse ele, judeu ortodoxo. “Deus é o grande ausente no mundo de hoje. Estamos aqui para quê?”
Procurada a Cyrela, quem falou foi a Living. A empresa informou, por nota, que, em caso de eventuais irregularidades, a empresa determina prazos para ajustes, sob pena de cancelamento do contrato. “Preocupada com a vulnerabilidade da situação dos funcionários, a Living tomou todas as providências cabíveis e deu total suporte e assistência aos empregados.”
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