“É a maior epidemia de dengue da história”, diz infectologista

Mosquito da Dengue - Foto: Fotos Públicas (13/04/2015)
Mosquito da Dengue – Foto: Fotos Públicas (13/04/2015)

A cidade de São Paulo vive a pior epidemia de dengue de sua história, de acordo com o infectologista Artur Timerman, chefe do serviço de controle de infecção hospitalar do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, e autor do livro Dengue no Brasil, Doença Urbana (Ed. Lamy, 2012. Dados divulgados na última quinta-feirta (23) indicam que a cidade tem 20,7 mil casos confirmados, outros 60 mil suspeitos e registrou a quinta morte.

Em entrevista à Brasileiros, o médico alerta que o número de casos é muito maior e critica a orientação dada aos médicos para fazer diagnóstico com base em sintomas em vez de pedir os testes de sorologia. Ele diz ainda que é necessário melhorar o treinamento dados aos profissionais da saúde para identificar e tratar a doença.  

Brasileiros – O Sr. afirma que os números da dengue estão muito abaixo da realidade. Por quê?
Artur Timeman
– Uma das razões é a orientação dada aos médicos para diagnosticar apenas pelos sintomas, com exame clínico, as pessoas que vão às unidades de saúde, sem pedir o exame de sorologia. Ou seja, aqui em SP, se você for fazer exame de dengue no serviço público, não vai conseguir, a menos que insista muito. Diagnosticar pelo sintoma é uma conduta recomendada pela Organização Mundial de Saúde para locais com epidemia e sem recursos, como a África. Mas esse procedimento está comprometendo as nossas estatísticas, porque quem tinha dengue e se cura não volta para fazer exame, não é mesmo?

As autoridades de saúde assumem que existe uma epidemia em 13 distritos, de um total de 93, com maior número de casos, mas não caracterizam o problema como uma epidemia generalizada.
 Essa conduta dificulta o reconhecimento de que estamos em meio à maior epidemia de dengue da história. Diversos infectologistas concordam com essa tese. Sempre digo que aqui temos uma dengue tucana.

Como chegamos a um número tão elevado de casos?
Não há surpresa nisso. Em qualquer metrópole brasileira, é a mesma coisa –  a urbanização se dá às custas de um Plano Diretor horroroso que permite que se vá construindo e impermeabilizando a cidade. Quando chove, a água não tem para onde ir e ocorrem as enchentes. É tudo o que o mosquito precisa – calor, chuva e água parada. Para o mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti, é o paraíso.

O infectologista Artur Timerman - Foto: Reprodução/youtube
O infectologista Artur Timerman – Foto: Reprodução/youtube

O combate à dengue depende de uma mudança na ocupação urbana?
Sim. Dá-se grande ênfase ao cuidado para não formar criadouros em casa, o que é importantíssimo, mas o caminho para resolver a dengue é mudar o Plano Diretor das cidades. Vou usar o exemplo do Parque Augusta, no centro de São Paulo. É uma grande área verde permeável para a água que vai ser impermeabilizada com a construção de prédios. Para onde irá a água que antes era absorvida por essa área?

Pode piorar?
Muito. Vamos ter epidemia atrás de epidemia até que a febre chicungunya, transmitida pelo mesmo mosquito, se espalhe pelo País. Ela entrou pela região norte e já chegou em Feira de Santana, na Bahia, onde houve mais de dois mil casos. Ocorreram casos também em Goiás e Mato Grosso. Isso se não vier mais para a frente a febre amarela, transmitida pelo mesmo mosquito.

É possível pegar dengue duas vezes no mesmo ano? 

Em geral, é raro ter dengue duas vezes em um intervalo de tempo menor de um ano. Isso porque existe uma espécie de imunidade compartilhada entre os vários tipos de vírus da dengue – são quatro — que dura cerca de um ano. Porém, passado esse período, a pessoa fica vulnerável novamente. Se teve dengue tipo 1, permanece imune a essa cepa, mas poderá ser infectada pelos outros três sorotipos.

Qual é vantagem de se ter a confirmação da doença por meio do exame?
Fica mais fácil conduzir um caso. O que o governo de São Paulo diz é que não tem muita vantagem em fazer exame porque o diagnóstico clínico, pelos sintomas, é muito fácil. Mas não é bem assim. Outro dia atendi no consultório um paciente com diagnóstico de dengue que quase morreu porque tinha, na verdade, meningite meningocócica. Quer dizer, fazer a sorologia é muito importante, inclusive em termos epidemiológicos, para acompanhar como os tipos de vírus que estão circulando. O número de amostras analisadas até agora é irrisório para mostrar, com certeza, quais cepas estão em circulação.

Quais são os exames que identificam a dengue?
Um é o NS1, uma prova rápida que pesquisa o vírus. Dá positivo já no primeiro dia em que a pessoa apresenta os sintomas e o resultado fica pronto em cerca de uma hora. O outro teste, a sorologia, demora cinco a seis dias para dar resultados porque detecta os anticorpos que demoram para se formar. Na rede pública, não se faz o NS1. E na rede privada não estão fazendo NS1 porque a maioria dos convênios não paga o exame e, quando pagam, são apenas alguns planos específicos. É um absurdo completo. 

Por que alguns convênios não pagam o NS1?
Boa pergunta, especialmente em uma situação de epidemia. Acho que falta brigar com eles.

Como melhorar a prevenção?

A população precisa da informação certa e completa. Houve um comunicado oficial orientando as mães para mandarem as crianças à escola de calça comprida. No entanto, a mosquita voa a uma altura de 1,5 metros e pica a perna e a região baixa do corpo do adulto, mas as crianças são picadas mais na região do rosto e do pescoço. Na prática, as pessoas têm que usar repelente e prevenir os criadouros em casa. E vigiar para que não existam caçambas com lixo e água perto de casa, verdadeiros berçários de mosquito.

Qual é o critério para reconhecer a dengue grave? 

O conjunto de sintomas: dor na barriga, o vômito que não deixa se hidratar por boca, a tontura, hemorragias. Porém um conceito muito errado que tem sido valorizado para diagnosticar os pacientes com risco de dengue grave é a contagem do número de plaquetas, estrutura do sangue responsável pela coagulação. Anteontem, atendi uma paciente de UTI que vinha do Embu. Ela ficou quatro dias perambulando entre hospitais com todos os sintomas de alerta para a forma grave da doença, mas não foi internada porque tinha contagem alta de plaquetas. E foi piorando. Enfim, as pessoas precisam ser corretamente treinadas. É uma grande falha que leva a erros num momento de crise.

O Sr. diz que o treinamento precisa melhorar. Como?
Esse treinamento precisa ser dado por especialistas capacitados. Vi muitos pacientes que precisaram ser internados depois de passar dois a três dias no Pronto Socorro sem receber a necessária hidratação. Com isso, seu estado se agravou a ponto de precisarem ser internados. Tudo o que precisavam para melhorar era de uma boa hidratação.

As vacinas são uma esperança?
Sim, mas certamente não são a solução para uma epidemia como a que temos. O motivo é que até mesmo as vacinas que aguardam aprovação oferecem proteção diferenciada em relação aos vários tipos do vírus.

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Comentários

Uma resposta para ““É a maior epidemia de dengue da história”, diz infectologista”

  1. Avatar de Carlos Simas
    Carlos Simas

    A matéria é de suma importância, sobretudo para quem como eu que já trabalha na prevenção e controle do Aedes aegypti desde 1988.

    Sou Biólogo Ambiental, pós graduado e especialista em controle químico de insetos pela UFRJ e por trabalhar há quase trinta anos diariamente de casa em casa, posso afirmar que enquanto não se mudar até mesmo a estratégia de trabalho que desenvolvemos no sentido de que o morador, como ocorreu hoje mesmo comigo em Cabo Frio-RJ, que esperava que eu colocasse o “remedinho” ( é assim que eles entendem nosso trabalho), não haverá solução para o controle dessa e de outras pragas urbanas no Brasil.

    Quanto ao morador ( estou auxiliando em um Bairro (Peró) que não faz parte da minha rotina de trabalho, por falta de funcionários contratados pela Prefeitura) lhe expliquei, como sempre fiz e faço ( de forma educada e gentil) na minha área de atuação que não estava ali para colocar “remedinho não” e sim fiscalizar sua atuação como morador em cuidar para que não haja epidemia de doenças no local.

    Encontrei algumas vasilhas cheias de água de chuva no quintal; fiz questão de virar todas elas em sua presença e lhe passar mensagem educativa juntamente com um panfleto.

    Imagino que é desnecessário dizer que se as prefeituras quisessem resolver o problema, seria apenas trabalhar sério e ouvir ao profissional que como eu trabalha de verdade esse tempo todo, mas que não tem o mínimo valor para elas, até por sermos apenas cedidos pelo MS.

    Carlos Simas
    Agente de Combate as Endemias
    Professor e Biólogo Ambiental
    Especialista em Controle Químico de Insetos – UFRJ
    biocarlossimas@gmail.com

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