Sob a liderança de Celso Athayde, fundador da Cufa, a Central Única das Favelas, e Preto Zezé, presidente da Cufa, estive recentemente em Nova York para o lançamento global da associação que vai levar um pouco das experiências das favelas brasileiras para várias partes do mundo. Eu tenho orgulho de ter acompanhado de tão perto as principais mudanças sociais e econômicas que as favelas brasileiras sofreram nos últimos anos. É formidável. Enche os meus olhos ver esse território, tão marcado pela falta de perspectiva e preconceito, tornando-se um lugar cada vez mais próspero para oportunidades. Os mais de 12 milhões de moradores devem movimentar mesmo na crise mais de US$ 19 bilhões em 2015. Ao lado do Celso Athayde, que escreveu comigo o livro Um País Chamado Favela, criei o Data Favela, um instituto de pesquisa que não fala somente de favela, mas que tem como função principal ajudar a favela a se comunicar com o mundo. Procuramos traduzir em números a opinião, os sonhos, as conquistas e as aspirações dessa parcela da população brasileira.
Apesar de ter uma economia pujante, já que a massa de renda dos moradores é o equivalente ao consumo de países como Paraguai e Bolívia, esse país chamado Favela ainda é cercado por muitas contradições e preconceito. Na favela, mais da metade dos habitantes já passou fome. Esse país é, em média, 3,5 anos mais jovem do que o Brasil. Isso não ocorre porque as mulheres têm mais filhos. Isso ocorre porque os filhos da favela morrem assassinados pelo tráfico e pela polícia. Para grande parte dos moradores das favelas brasileiras, a polícia é mais violenta do que deveria, principalmente dentro das comunidades.
Esse país tem em seu território uma força de paz e de ocupação, que faz com que seus trabalhadores sofram no dia a dia batidas policiais. E esse número é três vezes maior do que o número de brasileiros que moram fora da favela e que já foram abordados pela polícia. É uma fotografia triste, mas para mim é só uma fotografia.
Por outro lado, o filme desse país chamado Favela também é transformador e ultrapassa as barreiras que existem entre o morro e o asfalto. Com a melhora da renda, boa parte dos moradores pertence hoje à metade mais rica do mundo. A favela está mais escolarizada, os níveis de analfabetismo estão mais baixos e 73% dos jovens estudam mais que seus pais. A favela não quer mais ter patrão. Quer ser dona do próprio negócio para não ter que baixar a cabeça para o preconceito. A vontade de empreender é 43% maior do que no Brasil.
O aumento da renda e da geração de emprego formal trouxe uma nova realidade para a favela brasileira. Hoje, mais da metade dos trabalhadores que moram em favela têm carteira assinada. São mais homens e mulheres que têm férias, 13° salário e seguro-desemprego. A tecnologia tornou-se aliada importante das favelas brasileiras. A favela é mais conectada que o asfalto. Criativos, os moradores sabem se virar em momentos de adversidades e são especialistas em transformar crise em oportunidade. Nas comunidades, oito em cada dez internautas acreditam que a rede pode ajudá-los a ganhar mais dinheiro. Sábios, eles usam a internet para aumentar a renda. Eles conseguiram um emprego, venderam algo e passaram a adotar medidas próprias para se virar na hora que a situação financeira aperta. E o mais surpreendente é que a favela é muito mais conectada com os meios tecnológicos que as pessoas moradoras do asfalto. Existem mais internautas na favela que fora desse território, que vive em constante transformação.
Certamente ainda há muito a se avançar na favela e todos nós sabemos disso. O desenvolvimento passa a oferecer igualdade de oportunidade para todos. E é por isso que o falso discurso da meritocracia não valoriza o esforço das pessoas. Falso, porque pressupõem que a desigualdade não existe e que nos guetos do Brasil e do mundo afora todos têm as mesmas oportunidades de vencer na vida que os cidadãos das cidades mais ricas do planeta. Esse discurso é desleal. É injusto colocar o pobre como o responsável pela pobreza. Eu não acredito em meritocracia sem igualdade de oportunidade. A favela tem que ser protagonista da sua própria história.
*Presidente do Instituto Data Popular
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