Dias após a chacina que matou 56 presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), parte dos corpos dos detentos mortos durante a rebelião está enterrada em uma quadra nos fundos do Cemitério de Tarumã, em Manaus, em covas rasa e túmulos simples.
É na quadra 34, fila 27, que está Gezildo Nunes da Silva. A sepultura número 1334 guarda o corpo do rapaz que, dias antes da chacina, denunciou um esquema de corrupção dentro da unidade, em que o diretor recebia propina de detentos para liberar a entrada de diversos objetos no Compaj, incluindo armas e celulares. Preso por furto, Gezildo foi assassinado aos 35 anos. Ele denunciou o esquema junto com outro detento, Alciney Gomes da Silveira, que também morreu na chacina.
A denúncia motivou a saída do diretor interino do Compaj, dias após a rebelião. Na denúncia de Gezildo e Alciney, ambos se diziam ameaçados de morte. A carta foi anexada ao processo de Gezildo no dia 14 de dezembro, para conhecimento do juiz Luis Carlos Valois, titular da Vara de Execuções Penais.
“Eu soube depois do fato [chacina]. A carta estava com vista para o Ministério Público. Mas é muito comum o preso dizer que está com risco de vida e a gente, na burocracia do dia a dia, não toma muito conhecimento disso. Porque todo preso diz isso. E é verdade. Qual preso que está seguro no sistema penitenciário brasileiro?”, questiona o juiz.
Gezildo está enterrado em uma cova rasa, em um túmulo improvisado, cercado por tábuas azuis e uma cruz espetada com seu nome, data de nascimento e data de morte, dia 1º de janeiro de 2017, escritos com tinta preta. Esta última data, inclusive, é repetida à exaustão nos túmulos vizinhos. São os outros mortos na chacina do Compaj.
Presos por vários tipos de crimes, desde os menos ofensivos aos mais atrozes, as dezenas de corpos estão enterradas em uma espécie de extensão improvisada do cemitério, nos fundos, perto da mata fechada que cerca a região. A terra ainda está revirada na quadra 34, pelo intenso número de enterros recentes. Nessa quadra não há grama ao redor ou fotos dos sepultados. São túmulos simples. Alguns mais adornados que outros por flores e pequenas faixas, como “amor eterno”, deixadas pelas famílias. O forte cheiro de flores, presente no restante do cemitério, é pouco notado na área, ocupada em sua maioria pelas vítimas da chacina.
Na frente da cruz com o nome de Gezildo, um punhado de flores, a maior parte já mortas, indicam que o rapaz teve quem velasse por ele. Isso é mais do que teve Alciney, 25 anos. Na fila 32 da mesma quadra, está a sepultura do homem condenado a 60 anos de prisão por matar a própria mãe, um irmão e tentar assassinar o pai. Uma cruz de madeira com o nome e as tábuas cercando o monte de terra tiveram o custo de R$ 120.
Curioso pela movimentação na frente do túmulo do rapaz, o coveiro pergunta ao fotógrafo o motivo do interesse. Ao ser informado dos crimes que Alciney havia cometido, o coveiro disparou. “Eu lembro desse caso. Esse aí já foi tarde”.
“Eu já tinha participado de uma rebelião nesse mesmo local [Compaj]. Eu fiquei por cerca de sete horas no meio de 13 corpos, circulando entre eles até acabar a rebelião. Até então, essa tinha sido a pior experiência da minha vida, mas os corpos estavam inteiros. Esse esquartejamento, nessa última rebelião, foi um negócio bem forte para mim”, conta o juiz Valois.
O juiz era responsável pelos casos da maioria dos presos do Compaj. Conhecia e conversava com vários deles. “Você ver uma pessoa que você conhece, com quem você já falou, sem cabeça? Ver a cabeça de uma pessoa que você conhece? Isso é muito forte”.
*Com reportagem Agência Brasil
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