A maior parte das iniciativas do governo, que se diz pego de surpresa pela estiagem, para contornar a escassez hídrica ainda está em fase de preparação. Os cidadãos podem dormir sossegados? “Não. Mas não acredito em êxodo populacional, nem em colapso da economia, porque nós estamos preparando medidas emergenciais”, diz Américo Sampaio, o novo coordenador de Saneamento do órgão.
“Todos nós estamos muito preocupados”, afirma o executivo. O nível do Sistema Cantareira melhorou, “mas não ao ponto de deixar a população tranquila”. O que pode ser feito a partir de agora? “Não acredito em artifícios técnicos para que chova mais em regiões estratégicas. A priori, descartamos o bombardeamento de nuvens, por exemplo, por não ser uma medida eficaz.”
Segundo Sampaio, há dois flancos que estão sendo contemplados. O primeiro é a gestão da oferta. Nesse aspecto, a secretaria prepara um pacote de ações para enfrentar o próximo inverno, “que será o momento mais crítico”. A partir da segunda quinzena de março, as chuvas começam a se reduzir substancialmente e haverá três ou quatro meses de pouco volume de precipitação. Nesse período, é preciso haver água acumulada para suprir a demanda. Isso explica o manejo de pressão que tem sido feito pela Sabesp.
No âmbito das ações emergenciais, o Estado está também concentrado em trazer água de novas fontes ainda não exploradas e fazer o saneamento do estoque da represa Billings. Além disso, há ações de médio e longo prazo. O Sistema Produtor São Lourenço está sendo construído por meio de parceria público-privada e deve ficar pronto em dois anos. Quando concluído, o novo complexo terá capacidade de tratar 4,7 mil litros de água por segundo para atender à Região Metropolitana de São Paulo. A água será retirada da Cachoeira do França, em Ibiúna, e percorrerá a distância de 83 quilômetros.
A Sabesp lançou ainda no dia 30 de janeiro o edital para a transposição entre a Represa Jaguari,da Bacia do Paraíba do Sul, e Atibainha, da Bacia do Sistema Cantareira. A vazão média será de 5,13 mil litros por segundo, e a obra deverá estar pronta em um ano e meio.
Entre as possibilidades aventadas por alguns especialistas – como a dessalinização da água do mar –, Sampaio não expressa muito otimismo. “Dessalinizar tem um custo menor hoje, mas ainda é caro. Além disso, exige um uso muito intensivo de energia elétrica para trazer a água para o planalto”, afirma. Para ele, a saída é viável apenas para regiões costeiras. Daí por que não está nos planos atuais do governo
Do lado da demanda, o primeiro passo – ao que tudo indica, já está acontecendo – é a conscientização do consumo, ainda muito elevado para padrões internacionais. “Aqui, o consumo per capita de água é acima de 200 litros por dia. Poderia chegar a 100 litros, como muitos países europeus”, diz o executivo.
Para o médio e longo prazo, objetivo é substituir maciçamente os aparelhos sanitários, “porque eles estão velhos. As antigas caixas contêm 16 litros; hoje há de seis. Também é preciso substituir chuveiros e torneiras”.
Para incentivar as pessoas a fazerem essa substituição, o governo estuda diversas iniciativas: a redução de IPTU quando há economia de água, já está sendo elaborado por um programa chamado IPTU Verde, e a isenção de ICMS dos aparelhos mais econômicos. Uma terceira forma seria pagar os vasos, torneiras e chuveiros para a população menos favorecida. “A custo zero, o governo entrega o bem novo e manda o velho para a reciclagem.”
Esses programas, segundo o especialista, deverão estar prontos até o fim de março. As negociações estão em curso com os vários atores envolvidos: prefeitura, Fiesp e Sinduscon, entre outros. “Isso foi feito em Nova York e na Cidade do México. Os resultados, evidentemente, levam de um a três anos.” Uma última iniciativa seria o controle mais incisivo de perdas. Hoje, o desperdício na Sabesp está acima de 30% de perda total. Em termos reais, que são os vazamentos, é de 20%. No Japão, esse indicador baixou a 8%. “Aqui, chegar a 16% seria uma coisa muito boa.” Para alcançar esse intento, a Sabesp vai investir R$ 5,9 bilhões em cinco anos.
No desespero, muitos habitantes e estabelecimentos comerciais estão construindo seus próprios poços e cisternas, o que feito atabalhoadamente preocupa o engenheiro. Isso porque é preciso observar regras mínimas de salubridade. Há riscos também de rebaixamento do solo e contaminação da água. “Sou entusiasta das iniciativas, mas tem de fazer com acompanhamento técnico, porque pode haver problemas sanitários, como o surgimento do mosquito que transmite a dengue.” O Estado não prevê lançar um programa de cisternas, aos moldes do bem-sucedido projeto feito no Nordeste. São necessários muitos estudos, de longa duração, e “nós fomos atropelados pela seca”, diz Sampaio.
Em um cenário-limite, em que pare de chover, o governo tem um plano efetivo de gestão de crise? Sampaio responde que foi instalado há pouco tempo um comitê anticrise, do qual participam o Estado, municípios e entidades da sociedade civil. A primeira ideia do plano de contingência é garantir água para hospitais, escolas e penitenciárias. Mas, “infelizmente”, o plano está atrasado; ainda está sendo elaborado, afirma o executivo. Também preocupa o gestor um eventual aumento de doenças, caso a qualidade da água seja muito ruim ou não haja mesmo uma gota para o saneamento básico da população.
Indagado por que o governo não implementa um rodízio formal, Sampaio defende que é melhor ter pressão baixa do que nenhuma água. Mas faz um mea-culpa: “É preciso comunicar os benefícios de forma mais clara para a população. Por isso, estamos preparando um plano de comunicação melhor”.
Como exemplo de excelente gestão, Sampaio volta a citar a cidade de Nova York, que implantou um projeto para a água em 1996. Por meio do programa Pagamento de Serviços Ambientais, a Prefeitura foi até as nascentes e pagou para seus proprietários reflorestar as regiões e ter boas práticas, visando melhorar a qualidade de água. Ou seja, investiu nos mananciais. “É disso que precisamos e também melhorar o tratamento do esgoto. Nossos rios não estão limpos não porque sejamos sádicos. Os recursos de investimento são escassos e têm de ser divididos com saúde e educação, por exemplo.”
Já quanto ao modelo da Sabesp, que abriu capital e tem ações negociadas nas bolsas de São Paulo e Nova York, o executivo diz que os seus defensores alegam que a produtividade da companhia aumenta, uma vez que supostamente está blindada de interesses políticos. Sobre a distribuição generosa de dividendos aos acionistas, ele não quis opinar, por não ser sua área.
A forma holística como Sampaio pensa o Estado vai além. Para ele, tudo começa com o planejamento de uso e ocupação do solo. “Não adianta trazer água e não controlar o crescimento populacional de São Paulo, nem as invasões em áreas de mananciais.”
O Sistema Cantareira algum dia voltará a ser como antes? Para ele, sim. Isso poderá acontecer em quatro ou cinco anos, a depender das condições climáticas e um reflorestamento bem planejado, com espécimes vegetais adequadas para aumentar a quantidade da água.
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