Pescadores afetados pela lama da Barragem do Fundão, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, denunciam que estelionatários estão se infiltrando irregularmente em cadastros para receber o benefício mensal pago pela Samarco a quem teve casas e atividades de subsistência interrompidas pelo tsunami de rejeitos de minério, informa o jornal Estado de Minas. Em Regência Augusta, eles estão indignados por perceberem que poucos conseguiram ter acesso ao dinheiro indenizatório enquanto pessoas que têm essa atividade em outro manancial não atingido e até fraudadores que não pescam e usam documentos de pescadores falecidos estão se apoderando dos benefícios. Em Minas Gerais, pessoas que se passaram por moradores de áreas afetadas e entraram nos cadastros foram identificadas e desistiram de requerer o dinheiro para não serem processadas por estelionato.
De acordo com o promotor Guilherme Meneghim, da Promotoria de Direitos Humanos de Mariana, pelo menos três casos de famílias residentes em outros distritos de Mariana que não foram atingidos pela onda de lama em 5 de dezembro chegaram a ser cadastrados para receber o benefício de um salário mensal acrescido de 20% para cada dependente. “A própria Samarco desconfiou e me procurou. Numa reunião que tive com os atingidos, deixei bem claro que quem recebesse essa indenização de forma irregular poderia ser preso por estelionato. Essas três famílias perceberam isso e deixaram o cadastro por medo da punição”, afirma o promotor, ressaltando que, além de crime, esse tipo de atitude é imoral e prejudica quem realmente precisa desse dinheiro para sobreviver.
Segundo o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica da Foz do Rio Doce (CBH-Foz do Doce), Carlos Sangalia, os 188 pescadores dos distritos de Povoação e Regência Augusta, que compõem a foz do manancial no mar do Espírito Santo, estão tendo dificuldades para receber essa bolsa de indenização. “Percebemos que os pescadores de lagoas e gente que nem sequer tem na atividade o ganha-pão estão recebendo o dinheiro, prejudicando quem precisa e não pode pescar porque o rio e o mar estão interditados até que se saiba se há contaminação”, afirma.
Sangalia critica a maneira como a Samarco criou o cadastro. “Não houve triagem prévia. Qualquer um com carteira de pesca profissional está conseguindo receber e tem pessoas que a gente nem sabe quem são e que apareceram para conseguir um dinheiro extra. Um absurdo e que cabe ao Ministério Público checar como está sendo feito isso para que os pescadores que realmente precisam não sejam prejudicados”, denuncia.
O presidente da Associação dos Pescadores de Regência, Leônidas Carlos, afirma que os pescadores estão revoltados com a situação. Segundo seus levantamentos, dos 88 pescadores cadastrados na associação de Regência, apenas 15 estão recebendo a indenização. “Os cartões com a bolsa estão indo diretamente para as mãos de gente que não foi afetada e não é pescador. Pelo que estamos vendo são pelo menos uns 50 beneficiados indevidamente. Avisei à Samarco, mas eles não quiseram levar em consideração o nosso cadastro. Pagaram um pessoal deles para fazer esse levantamento e agora está dando nisso. Tem gente até usando carteira de pescador que já morreu para receber (o benefício)”, reclama Carlos.
O problema tem deixado os trabalhadores ainda mais aflitos, já que com a chegada do fim de ano vão ser interrompidas as atividades que a Samarco encontrou para empregar os pescadores, como o monitoramento das boias de contenção contra a contaminação dos igarapés pela lama. “As boias já foram até removidas. Até por que não adiantaram nada: a lama passou do mesmo jeito para a área de desova dos peixes e de criação dos caranguejos”, afirma o presidente da associação dos pescadores.
Punição
De acordo com o promotor Guilherme Meneghim, de Mariana, quem for pego recebendo o benefício pode ser preso por estelionato, que prevê pena de um a cinco anos de detenção e multa. “No caso, a Samarco pode acionar a polícia, que investiga o caso e prende os suspeitos. Mas pode também informar a situação ao Ministério Público para que providências sejam tomadas”, disse.
A Samarco foi procurada, mas não comentou sobre as denúncias de fraudes, se limitando a informar, por meio de nota, que desde 10 de dezembro deu início à distribuição dos cartões de débito aos pescadores e ribeirinhos cuja subsistência foi impactada em 37 municípios. “Este é o primeiro passo do Programa de Atenção Social aos Pescadores e Ribeirinhos da mineradora, em parceria com o Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho, com quem a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta”, diz nota da companhia. “A empresa responsável por tal projeto é a Golder Associates Brasil Consultoria e Projetos, que está realizando uma avaliação socioeconômica dos municípios e grupos sociais afetados. A conclusão desse estudo será o principal sustentáculo do Plano de Mitigação de Impactos e Compensação Social”, acrescentou o texto.
Segundo a Samarco, o processo de pesquisa, cadastramento e conferência dos dados coletados segue de forma conjunta com a entrega dos cartões para os demais beneficiados. A previsão de término do cadastramento é fevereiro de 2016, mesmo prazo para que todos os pescadores e ribeirinhos contemplados pelo programa recebam seus cartões.
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