Festa de cores LGBT no Facebook se contrapõe a Estados brasileiros

Em função da violência degenerada que abalou o mundo nos últimos dias desta semana, uma notícia importantíssima que envolve os rumos da educação no Brasil foi, de certa forma, deixada de lado. Enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos sacramentava a união homoafetiva, calando os Estados conservadores do país que haviam proibido o casamento gay, deputados de pelo menos oito Estados brasileiros retiraram dos Planos Estaduais de Educação as referências a identidade de gênero, diversidade e orientação sexual. Estes planos traçam as diretrizes para a educação do País dos próximos dez anos. 

Dos 13 Estados onde o Plano Estadual de Educação já foi aprovado, oito eliminaram trechos que faziam menção à discussão de gênero. São eles Pernambuco, Espírito Santo, Paraná, Tocantins, Rio Grande do Sul, Paraíba, Acre e o Distrito Federal. 

E não foi só isso. Os deputados estaduais também vetaram metas de combate à discriminação racial, à orientação sexual e à identidade de gênero, censos (pesquisas sobre dados escolares) sobre a situação educacional dos travestis e transgêneros, além de incentivos a programas de formação sobre gênero, diversidade e orientação sexual.

As decisões foram tomadas em função de uma enorme pressão feita pelas bancadas fundamentalistas religiosas, que são amparadas pelas igrejas católicas e evangélicas. 

Ou seja, para os membros dos legislativos de certos Estados, não só não é necessária a discussão em torno das questões de gênero, assunto cada vez mais latente em todos os meios da sociedade, como também não é importante o combate à discriminação e ao preconceito nas escolas. Para respaldar esta insensatez, ou má-fé, os deputados fundamentalistas argumentam que a ideologia de gênero poderia deturpar o conceito de família tradicional, que, sob suas óticas paleozoicas, é formada apenas por homem e mulher. 

Até a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), órgão religioso historicamente vinculado às ideias progressistas, divulgou em nota oficial seu repúdio à ideologia de gênero. Para a CNBB, “pretender que a identidade sexual seja uma construção eminentemente cultural, com a consequente escolha pessoal, como propõe a ideologia de gênero, não é caminho para combater a discriminação das pessoas por causa de sua orientação sexual. (…) A ideologia de gênero vai no caminho oposto e desconstrói o conceito de família, que tem seu fundamento na união estável entre homem e mulher.”

Mas não seria a escola um instrumento fundamental para educar e preparar as crianças para um mundo diversificado, onde a ideia única de casal “homem e mulher” já foi abandonada há tempos? À Brasileiros, o advogado e presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo – ApoGLBT, Fernando Quaresma, classificou as retiradas das referências a identidade de gênero como “péssimas” para o desenvolvimento educacional do País e das crianças, e fez um alerta de que a discussão de gênero não é somente sobre homossexuais. 

“Quando os deputados retiram a identidade de gênero do Plano, eles estão cortando a discussão de todos os gêneros, inclusive a heterossexualidade. Quando se fala em discutir o gênero, não é somente discutir a questão da homossexualidade”, disse Quaresma.

Para o presidente da Associação da Parada de SP, a educação é imprescindível para ajudar a criança e o adolescente a aceitarem o diferente, e muito do preconceito da sociedade vem da formação escolar. “O que prepara a sociedade para a diversidade é justamente a educação. Todo este preconceito que vemos enraizados nas pessoas já começou na escola. A escola é um instrumento de mudança e isso poderia ser combatido, mas infelizmente o legislativo e o executivo não têm representado a comunidade LGBT”, argumentou. 

Quaresma também refutou o principal argumento dos deputados religiosos, o de que a ideologia de gênero é uma imposição a crianças e adolescentes e destrói os valores da família tradicional. “O modelo de família tradicional não existe mais. Isso é um modelo arcaico. Não deve ser nem tratado como tradicional. 

Uma questão preponderante nesta discussão é o fato de os deputados se esconderem por trás do véu da religião para vociferar suas propostas conservadoras. “O Brasil é um Estado laico, e eles não aceitam isto. Nós estamos voltando ao tempo da Inquisição”, disse.

De acordo com Quaresma, os professores da rede pública também têm responsabilidade sobre a questão religiosa, e, muitas vezes, passam uma educação “obrigatoriamente cristã”. “Os professores têm de entender que a sala de aula é feita para educar, e não para pregar. A religião nas escolas deveria ser tratada de uma forma científica, abordando todas as vertentes”, completou.

Questionado sobre a recente aprovação do casamento homossexual pela Suprema Corte nos Estados Unidos, Quaresma foi enfático: “Lá eles têm mais maturidade para tratar deste assunto.” No Brasil, o Supremo Tribunal Federal autorizou a união homoafetiva em maio de 2013, e deixou claro que os cartórios de todo o País não podem se recusar a celebrar casamentos de pessoas do mesmo sexo. 

Contudo, o Brasil possui números assustadores em relação às mortes de LGBT. Uma pesquisa divulgada pelo Grupo Gay da Bahia em janeiro deste ano apontou que, em 2014, foram documentados 326 assassinatos de gays, travestis e transexuais no Brasil, incluindo nove suicídios. Dentro deste número, que corresponde a uma morte a cada 27 horas, quase um terço é de menores de 18 anos. De acordo com a pesquisa, o Brasil continua sendo o campeão mundial de crimes motivados por homo/transfobia. 

Para estancar este cenário violento é necessária uma profunda discussão sobre a questão de gênero no Brasil, a começar por ensinar as crianças e adolescentes, na escola, a respeitarem os direitos dos homossexuais, travestis e transexuais. Ainda estamos longe disso.

 


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