A firmeza de Marisa Letícia na ditadura militar

Marisa e Lula saindo do DOPS, onde o ex-presidente estava preso, para ir ao enterro da mãe, Dona Lindu. - Foto: Hélio Campos Mello
Armando Panichi Filho conduz Marisa e Lula no enterro de dona Lindu  – Foto: Hélio Campos Mello

A morte de Marisa Letícia Lula da Silva ecoou no litoral sul paulista, onde vive uma testemunha da firmeza e serenidade da ex-primeira-dama em momentos tensos do passado. Trata-se de Armando Panichi Filho, o motorista que conduz Marisa e Lula na fotografia acima, feita por Hélio Campos Mello na terça-feira 13 de maio de 1980, no enterro de dona Lindu, mãe do ex-presidente. Enquadrado pela ditadura militar na Lei de Segurança Nacional, Lula estava preso no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) desde o dia 19 de abril, no auge da greve dos metalúrgicos do ABC.

Panichi Filho era escrivão da Polícia Civil, homem de confiança de Romeu Tuma, diretor do Dops, e, junto com o investigador Osvaldo Machado de Oliveira (já falecido), foi encarregado pelo chefe (também já falecido) de escoltar o então líder sindical no velório e no enterro, no Cemitério Pauliceia, em São Bernardo do Campo. “O que tinha de gente, pelo amor de Deus! Uma multidão. No mínimo, três mil pessoas. Ele quase não conseguia caminhar. A multidão gritava: ‘Liberta o Lula!’ Eu não desgrudei um metro do Lula o tempo todo. A saída foi muito difícil”, conta Panichi Filho. “Tentamos deixar o cemitério pelos fundos, mas o portão estava fechado. O jeito foi sair pelo portão da frente mesmo, quase atropelando as pessoas.”

Marisa e Lula ocuparam o banco traseiro do Chevette cor café com leite do Dops que Panichi Filho usou na missão. Na véspera, ele já tinha conduzido o casal para o velório de dona Lindu. Trinta e sete anos depois, aposentado como delegado, ele lembra que o contato com o casal foi pontual, embora marcante: “Era tudo muito rápido porque corríamos risco também. Para tudo precisava de autorização da Auditoria Militar”. Mesmo quando não havia autorização, dava-se um jeito. Foi o que ocorreu nas vezes que Marisa precisou falar com Lula fora do horário de visitação: “A gente tinha consideração. Puxava Lula para a sala da diretoria, no quarto andar, ou para uma sala especial que tinha lá embaixo, perto da carceragem”.

Na prática, Panichi Filho atuava com autorização de Romeu Tuma. Em um dia que ele não consegue precisar, no começo de maio de 1980, o diretor do Dops tinha chamado o escrivão e o investigador no gabinete. Quando os dois entraram, Tuma fechou a porta. Contou que dona Lindu estava muito mal e perguntou se eles “topavam” levar o Lula para visitar a mãe sem que ninguém ficasse sabendo. “Eu assumo”, avisou Tuma, que decidiu sem pedir permissão à Justiça Militar. “Temos de dar um jeito de Lula ver a mãe antes de ela morrer.”

“Pegamos o Lula de madrugada no xadrez e saímos pela parte de baixo, onde ficava a tropa de choque da Polícia Militar. Só eu e o Osvaldo. Ninguém viu. Saímos no Chevettinho, o Osvaldo dirigindo. Lula deitado no banco de trás. Quando chegamos no parque Dom Pedro, falamos para o Lula que ele já podia sentar. Fomos para São Bernardo do Campo, ele indicando o caminho. Em São Bernardo, paramos na frente de um sobradinho. ‘Lula, pinote pra dentro’, eu disse. A irmã dele já estava esperando. Ela abriu a porta e entramos. Tinha outras pessoas, mas não me lembro direito.”

A mãe do Lula estava no andar de cima do sobrado. “Ele começou a subir a escada, no meio parou, e perguntou: ‘Sozinho?’.  Eu disse que sim. Da sala, dava para ouvir um pouco da conversa, mais a voz dele. Isso eu nunca vou esquecer. Era muito triste. Emocionante. Lula foi muito carinhoso com a mãe. Dizia para ela não se preocupar, que tudo iria dar certo. Repetia: ‘Mãe, vai ficar tudo bem’. Depois, saímos na moita e fomos embora. Já era dia claro quando chegamos no Dops, ele sentado normalmente no carro, como se ele tivesse sido levado para algum outro lugar, como a Auditoria.”

Quando levaram Lula em segredo para ver dona Lindu, Armando e Osvaldo foram armados. Armando usava na época um revólver Smith & Wesson calibre 38, de cano curto, que recebera como “carga” (arma apreendida em alguma operação e colocada sob a guarda de um policial). Já no velório e no enterro optaram por ir desarmados: “Era uma estratégia. Ninguém poderia fazer nada contra a gente. Éramos só dois e estávamos desarmados.”

As duas últimas saídas de Lula do prédio de tijolos vermelhos do largo General Osório foram autorizadas pelo juiz auditor Nelson da Silva Machado Guimarães, da 2ª Auditoria da 2ª Circunscrição da Justiça Militar. “Usamos o mesmo Chevettinho do Dops, com o Osvaldo na direção. Dona Marisa estava junto. Ela sempre muito tranquila. A autorização do juiz determinava que ele não podia se expressar publicamente, dar entrevistas. E ele foi corretíssimo. Fiquei a uns dez metros da porta de entrada. Ele chorou sem parar. No começo, algumas pessoas olharam estranho para nós. Veio o Nelson, do sindicato (Nelson Campanholo), e disse que alguns companheiros queriam cumprimentar o Lula, mas estavam com medo, pois estavam com a p.p. (prisão preventiva) pedida. Eu disse: ‘Fala pra eles que eu só estou vendo o Lula’.


Comentários

Uma resposta para “A firmeza de Marisa Letícia na ditadura militar”

  1. Avatar de ALMANAKUT BRASIL
    ALMANAKUT BRASIL

    Bela Ditadura Militar!

    Enquanto ela vinha com a ladainha do Brasil, ame-o ou deixe-o e anistia, a verdadeira ditadura, a cubana, fuzilava seus opositores sem julgamento!

    E deu no que deu, tanto que uma das provas vivas das falhas dos militares brasileiros se chama José Dirceu!

    Vão consertar o estrago, Militares, para fazer a faxina geral que não deixe mais herança maldita para o futuro?

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