Forças Armadas não reconhecem tortura em suas instalações

Subcomissão Permanente da Memória, Verdade e Justiça reunida nesta semana, em Brasília. Foto: Lia de Paula/ Agência Senado
Subcomissão Permanente da Memória, Verdade e Justiça reunida nesta semana, em Brasília. Foto: Lia de Paula/ Agência Senado

As Forças Armadas encerraram sindicância solicitada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) concluindo que não houve desvio de finalidade do uso de suas instalações, durante a ditadura militar. “Os dados disponíveis não permitem corroborar a tese apresentada por aquela comissão, de que tenha ocorrido desvio formal de finalidade do fim público estabelecido para as instalações objeto da investigação”, afirma, em documento, o Exército Brasileiro, que terminou a investigação sem reconhecer que os destacamentos de operações de informações foram usados para tortura.

A comissão tornou público nesta quarta-feira (18) os expedientes recebidos dos comandos da Marinha, do Exército e da Força Aérea. Eles apresentam relatórios das sindicâncias instauradas pelas Forças Armadas com o objetivo de responder aos questionamentos da CNV sobre desvios de finalidade das instalações, alocação de pessoal para o desenvolvimento de atividades nesses locais, procedimento utilizado para o emprego de recursos financeiros públicos, com o propósito de custeio e manutenção deles, e de que forma houve a prestação de contas relativamente a esses recursos, dentre outras questões.

Em vários trechos do documento, o Exército, que registra a instauração de dez sindicâncias voltadas às investigações, afirma que não foram encontradas informações ou documentos nos arquivos de comandos militares e de outras instâncias sobre os questionamentos levantados pela comissão. “Por sua vez, ressalta-se que os documentos sigilosos que tratavam sobre segurança interna à época e que poderiam supostamente subsidiar essa pesquisa foram regularmente destruídos, de acordo com a legislação vigente à época”, diz o texto.

O pedido foi feito com base em relatório preliminar da CNV, o qual aponta que o Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI/1º Ex), a Base Naval da Ilha das Flores, a Base Aérea do Galeão e a Companhia da Polícia do Exército da Vila Militar, no Rio de Janeiro; o Destacamento de Operações de Informações do 2º Exército (DOI/2º Ex), em São Paulo; o Destacamento de Operações de Informações do 4º Exército (DOI/4º Ex), no Recife; e o quartel do 12° Regimento de Infantaria do Exército, em Belo Horizonte; foram utilizados como centros de tortura.

A Força Aérea justifica a falta de documentos que poderiam abordar situações como as descritas no relatório da CNV do mesmo modo: “A documentação relativa ao período de 1964 ao ano de 1990, notadamente a produzida pela área de Inteligência, foi em grande parte consumida em sinistro ocorrido no prédio do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e que no acervo remanescente, quase todo de cunho administrativo ou operacional, observou-se a não existência de documentos capazes de atribuir à referida organização militar qualquer utilização diversa da destinação motivadora de sua criação”.

O Exército destaca que buscou informações em bibliotecas e outros centros de acervos documentais, bem como em obras como Brasil: Nunca Mais e A Ditadura Escancarada, as quais registram a existência dos DOI. No entanto, não foram encontradas provas de irregularidades. “No acervo do Exército Brasileiro não foram encontrados documentos que pudessem corroborar as citações contidas nessas obras literárias; entretanto, observa-se que é de conhecimento público a existência da Diretriz Presidencial de Segurança Interna, documento que estabeleceu o marco legal para a criação dos DOI”.

O Exército reconhece a existência dos locais, previstos em lei, mas não o desvirtuamento de usos. “Uma vez que esses destacamentos eram órgãos oficialmente instituídos, foram formalmente instalados nos imóveis destinados ao seu funcionamento, não havendo qualquer registro de utilização para fins diferentes do que lhes tenha sido atribuído; portanto, não se verificando desvio de finalidade na utilização dos mencionados imóveis”, conclui.

A Marinha chega a conclusão semelhante, ao fim de extenso relatório, dividido em três volumes, que traz toda a história da Base Naval da Ilha das Flores. Fotos, recortes de jornais e outros documentos integram o texto, que aponta: “Assim, à luz da ordem jurídica vigente à época, não se pode falar em desvirtuamento do fim público estabelecido para a instalação prisional da Ilha das Flores, justamente por ter sido criada com fim específico, qual seja, de se constituir em local de acautelamento de presos. Portanto, a criação da unidade, a lotação de pessoal, bem como a sua destinação estão em perfeita conformidade com a legislação vigente à época”.

Além disso, Exército, Marinha e Força Aérea afirmam que tanto a alocação de pessoal quanto o emprego de recursos orçamentários e a prestação de contas foram feitos conforme as normas vigentes à época. A falta de alguns elementos da prestação de contas da Marinha, por exemplo, é justificada pela forma de documentação no período.

O resultado das sindicâncias das Forças Armadas foi enviado terça-feira (17) para a comissão. Hoje, o jornal O Globo divulgou matéria com algumas das conclusões, o que levou à disponibilização dos arquivos pela comissão. A Agência Brasil procurou o coordenador da CNV, Pedro Dallari, mas foi informada de que ele volta nesta quinta-feira (19) de viagem ao exterior. A assessoria da CNV pretende divulgar posicionamento da comissão sobre os relatórios na sexta-feira (20).

Os trabalhos da CNV devem ser finalizados em meados do ano que vem. Até lá, novos questionamentos, inclusive para as Forças Armadas, poderão ser feitos.


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