O ministro da Saúde, o engenheiro Ricardo Barros, decidiu passar por cima da eleição que escolheu os nomes à presidência da Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) e anunciou na sexta (30) a nomeação ao cargo da candidata derrotada nas urnas.
A atitude do governo é golpista e agride a prática democrática da instituição, que há 25 anos elege seus dirigentes.
A taxa de participação da comunidade da Fiocruz no processo eleitoral foi de 82,1%, o equivalente a 4415 servidores.
Em primeiro lugar ficou a dra. Nísia Verônica Trindade Lima (2.556 votos); em segundo lugar, a dra. Tania Cremonini de Araújo-Jorge (1.695 votos). O resultado foi homologado pelo Conselho Deliberativo da Fiocruz e encaminhado ao ministro da Saúde em 28 de dezembro.
Em protesto contra a ação impositiva de Barros, a comunidade da Fiocruz divulgou uma carta aberta ao presidente Michel Temer e à sociedade brasileira na qual declara esperar que a candidata Nísia Lima, que obteve a maioria expressiva dos votos, assuma a Presidência da Fiocruz, de acordo com a tradição da instituição.
O documento defende a necessidade de preservar o processo de “gestão democrática e participativa da Fiocruz, tão duramente conquistado e construído por nossas instituições de ensino e pesquisa e que tem sido fundamental para tornar a Fundação Oswaldo Cruz referência na área de ciência e tecnologia nacional e internacionalmente.” E mais: “O acatamento do nome da dra. Nísia Verônica Trindade Lima como presidente da Fiocruz representa proteger a Fundação como instituição estratégica de pesquisa, pela sua inegável contribuição para a saúde pública do Brasil.
Paulo Gadelha, atual presidente da Fiocruz, disse que “a comunidade da Fundação espera que o presidente Michel Temer reflita sobre essa decisão tão séria, que poderá pacificar a instituição, dando tranquilidade para que a Fundação continue desempenhando seu papel em favor da saúde do povo brasileiro”.
Para o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, “aqueles que apoiam a nomeação da candidata menos votada alegam que essa decisão está respaldada no regimento interno. O conjunto de propostas, a visão estratégica para o futuro da instituição apresentadas por Nísia Trindade, tiveram o apoio de 60% dos votantes. Ao não efetivá-la na presidência o governo estará empossando um projeto e uma candidata derrotados. É essa a questão.”
Golpe contra a democracia
Em entrevista à Saúde!Brasileiros, Ana Maria Costa, diretora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), fez uma avaliação do que representa a ação do governo e suas consequências para a instituição. Confira, na íntegra, a análise da médica e professora.
“A questão da Fiocruz fundamentalmente é um problema politico. Classicamente, nos processos eleitorais da Fiocruz, pela tradição de mais 25 anos, o primeiro candidato mais votado é sempre apoiado pelo segundo, mostrando o compromisso democrático da instituição, no sentido de fortalecimento da própria instituição, da força que tem o mandato dos servidores que elegem o seu dirigente.
Porém o que ocorre nesta eleição não tem precedentes. Neste caso, não só a candidata que ficou em segundo não apoiou a mais votada como trabalhou arduamente para que fosse nomeada, fazendo composições e acordos que não sabemos para onde levarão a instituições num momento num momento particular da história do SUS, do capítulo constitucional da saúde tão ameaçado.
Sendo a Fiocruz uma instituição estratégica para o SUS, para o setor saúde e para a saúde pública nacional, são muito preocupantes os acordos subjacentes a essa nomeação. E não se pode esquecer que há uma verdadeira indignação dos servidores da instituição, que já ameaçam a interrupção de pesquisas, greves e um conjunto de medidas que mostrem ao governo a sua insatisfação com essa nomeação. Isso também preocupa porque mostra, claramente, que o nome da candidate derrotada e escolhida pelo Ministro não apazigua, não traz a paz a Fiocruz.
Em eleições estatutárias, a comunidade legitimou a dra. Nísia para conduzir a Fiocruz nos próximos anos. De fato, estamos, a comunidade da saúde brasileira está muito preocupada e atenta. Estamos esperando ainda que que o governo reveja essa posição e que certamente irá resultar em malefícios, em desdobramentos bastante complexos e perversos aos rumos da saúde pública nacional.
Não queremos acreditar que a dra. Tania tenha a capacidade de ter feito essa negociação, sendo ela uma servidora da casa, desobedecendo uma tradição da instituição. Nós apelamos muito para que a dra. Tania tenha respeito pela história da Fiocruz.
Outra questão em suspenso é se há algum sentimento corporativista envolvido nessa disputa, dado que Nísia não é médica, embora seja uma pesquisadora de carreira respeitadíssima no campo das ciências sociais e saúde. Ela é uma das grandes historiadoras da saúde pública nacional, enquanto a outra é minha colega, é médica. E há quem considere que apenas médicos deveriam dirigir as instituições de saúde.
Por último, eu queria questionar a capacidade julgadora do ministro da Saúde. Ele disse que o processo eleitoral exigiu dele uma decisão final, que foi feita a partir de entrevista pessoal dele com as duas candidatas.
Esse ministro, que é engenheiro e ex-prefeito de uma cidadezinha do interior do Paraná, e nada entende de saúde, é um politico cujas declarações sobre o setor já se transformaram em chacota nacional. Portanto, ele não tem legitimidade e capacidade de fazer um o julgamento que diz ser da sua alçada, mas também não é.
Insisto: não se trata de uma lista para a escolha do mandatário. Trata-se, neste caso, de uma lista de dois nomes acompanhada da expressão do desejo dos servidores, do volume de votos que cada um atingiu. A candidata derrotada teve 39% dos votos, contra 60% dos votos da dra. Nísia.
É claramente é uma questão política. A Fiocruz tem sido bastante crítica às propostas políticas desse governo em relação ao setor, como por exemplo a proposta dos planos populares de saúde. E a dra. Nísia representa, de certa forma, a continuidade da atual gestão, que é comprometida com o SUS e com a defesa do projeto constitucional. E e exatamente esse o que está plano posto na obscuridade do acordo para levar a candidata derrotada ao cargo.
E de se interrogar a competência para discernir sobre o melhor para a Fiocruz de quem de apresenta contrariando a decisão democrática de 60% dos servidores da instituição.
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