Hardware de sobra, software de menos

O co-CEO da F.biz, Roberto Grosman, em uma das áreas externas de criação coletiva da agência paulistana de comunicação integrada - Foto: Luiza Sigulem
O co-CEO da F.biz, Roberto Grosman, em uma das áreas externas de criação coletiva da agência paulistana de comunicação integrada – Foto: Luiza Sigulem

A trajetória de sucesso empreendida pelo jovem empresário paulistano Roberto Grosman, 39, é dessas histórias que parecem inimagináveis sem o advento da popularização da internet. Em 1999, convidado por outros dois amigos, os irmãos Rogério e Patrícia Silberberg, e apadrinhado pelo empresário Marcelo Lacerda, ele deu início ao site fulano.com.br, portal típico daqueles tempos de internet monolítica, em que o principal atrativo eram jogos no formato quiz, de pergunta e resposta, que destinavam prêmios para os visitantes com maior pontuação. Dessa forma, o trio de amigos conseguiu aproximar sua audiência de gigantes do mercado como a Coca-Cola e o grupo Unilever, que, em contrapartida, doavam produtos destinados aos vencedores.

Nascia daí uma rede virtual de relacionamentos, de ascensão veloz que, em 2001, possibilitou a criação da F.biz (abreviação de Fulano Business), divisão de produção digital que nadou de braçadas em um mercado incipiente e tornou-se pioneira no Brasil. Em 2003, já sem a companhia dos irmãos Silberberg e sem abrir mão de sua condição de sócio, Grosman decidiu cursar MBA e viver três anos nos Estados Unidos, período em que aprimorou seus conhecimentos no mercado digital ao trabalhar na Amazon e participou de projetos, como o desenvolvimento do Kindle. De volta ao Brasil, em 2006, ele também encabeçou uma ação fundamental para o Google, o Search Inside The Book (ferramenta acionada pelo atalho ctrl+f, que busca palavras em conteúdos digitais). Em 2008, Grosman voltou a atuar exclusivamente na F.biz.

Com reputação elevada em um mercado em que as agências acostumadas às mídias tradicionais ainda apanhavam, não tardou para a F.biz despertar o interesse de investidores internacionais. Em 2011, o grupo WPP, maior conglomerado de comunicação do mundo, comprou 70% do controle acionário da F.biz. Segundo números revelados pelo jornal Folha de S.Paulo em junho daquele ano, a holding britânica desembolsou US$ 57 milhões para fechar o negócio, algo em torno de R$ 178 milhões. Grosman tem outros seis sócios: Pedro Reiss, co-CEO; Marcello Hummel, COO; Paulo Loeb, head de Negócios; Marcelo Castelo, head da área de Mobile e Operações da F.biz nos EUA; e os empresários Marcelo Lacerda e André Szjaman.

Fábula digital
De família judia, com forte tradição no meio jurídico, Grosman evitou o caminho da beca e graduou-se em Administração de Empresas, em 1998, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 1999, foi convidado para integrar a equipe da filial paulistana do Boston Consulting Group (BCG). A contratação era motivo de inveja para muitos de seus colegas de FGV, mas ele teve a petulância de pedir um adiamento do início dos trabalhos.

A justificativa foi um convite paralelo, feito pelo amigo Charles Halpern, de partir para uma breve temporada americana, na Califórnia, com dois propósitos: fazer cursos de especialização em gestão, na Universidade de Berkeley, e conhecer de perto a efervescência tecnológica do Vale do Silício, ambiente em que começavam a despontar futuros gigantes da internet, como Yahoo, Google, Amazon e E-bay. Na volta ao Brasil, aos 23 anos, com a cabeça dividida, Grosman honrou o trato firmado com o BCG, de imediatamente integrar a equipe de consultores, mas o novo ofício teve vida breve, com a aposta de que o site Fulano poderia se tornar também um grande fenômeno na internet brasileira.

Decisões estratégicas vêm ajudando a F.biz a ganhar projeção no mercado tradicional de propaganda. Entre elas, a contratação de profissionais experientes, como a executiva Gal Barradas (hoje sócia da francesa BETC, ela também foi retratada na série Como Vender Este Produto Chamado Brasil. Além de Gal, uniu-se ao grupo, em 2014, o premiado diretor de criação Guilherme Jahara. Sob seu comando, a agência conquistou, em junho último, o primeiro par de leões (um de prata e outro de bronze) no Festival de Publicidade de Cannes.

Com a decisão de prover soluções integradas, a F.biz possui hoje mais de 300 funcionários e uma carteira de clientes que inclui contas como Dove, Subaru, Omo, Seda e Motorola.

No moderno edifício construído para a agência em 2012, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, Grosman recebeu a reportagem da Brasileiros para falar sobre a evolução do mercado que ajudou a criar, os desafios da propaganda em tempos de empoderamento do consumidor por meio da internet, o futuro de redes sociais como o Facebook, a inserção social por meio do consumo e quais medidas considera urgentes para vender o produto chamado Brasil. A seguir, os melhores trechos da conversa.

O FUTURO DAS REDES
Muitos amigos e clientes querem saber o que será do Facebook. Tenho sempre duas respostas: não sei e não interessa. A verdade é: com ou sem Facebook, Instagram ou Twitter, a comunicação entre as pessoas por meio de plataformas virtuais é um fenômeno irreversível. O volume de interações on-line será cada vez maior, mais rápido e menos perceptível. Hoje, com os smartphones e os tablets, passamos o dia ‘dentro’ da internet.

SAÍDAS PARA O PAPEL
A perspectiva das mídias impressas não é muito positiva, por toda complexidade que envolve seu processo de produção, impressão e distribuição. No entanto, como informação de qualidade sempre foi e sempre será importante para a humanidade, a grande questão, que me preocupa não só como executivo, mas como cidadão, é: “Quem vai pagar os custos?”. Jornais como The New York Times, Washington Post, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, têm um custo elevadíssimo, mas tente imaginar as sociedades brasileira e americana sem esses veículos… São questões que ninguém tem a resposta, mas algo é certo: os consumidores estão cada vez mais intolerantes com a propaganda invasiva. Quando um produto ou serviço interrompe a transmissão de um filme na TV ou a navegação do consumidor no Facebook, é bom que seja para oferecer algo de muita qualidade em troca dessa invasão.

“O otimismo que foi gerado no Brasil em tão pouco tempo mostra que não é difícil superar a crise que enfrentamos agora

DE PIADA À BOLA DA VEZ
Enxergo o Brasil com um misto de amor e decepção. Mesmo sendo muito novo, lembro o que passamos com o Plano Cruzado, o Plano Verão, o Plano Collor, as moedas carimbadas a cada nova desvalorização, e a comoção de sempre dizer: “Ok, vamos tentar de novo!”. O Brasil era uma piada. Quando comecei a faculdade, em 1995, veio o Plano Real e, pela primeira vez, a gente teve a percepção de que, finalmente, a coisa ia dar certo. Em 2003, quando fui fazer MBA nos Estados Unidos, o mundo todo começava a falar do Brasil. O País estava passando de piada para bola da vez. Com o início do governo Lula, havia a expectativa de muitos de que o Brasil voltaria para o buraco, mas não foi isso que aconteceu. Eu tinha um professor de Matemática que adorava o Lula e dizia: “Pela primeira vez na história do Brasil um presidente vai ter a oportunidade de não fazer a coisa errada”. Além de manter a estabilidade econômica, ele deixou de fazer a coisa errada, como outros fizeram.

CONSUMO E CIDADANIA
O Brasil avançou muito desde o Plano Real e, mais fortemente, nos últimos 15 anos. Trouxemos para a zona de consumo milhões de pessoas que não tinham acesso a ela e a ascensão dessa classe social – C, média ou emergente – permitiu que muito mais pessoas começassem a avaliar marcas e produtos e, com isso, elas ficaram mais críticas e exigentes. Essa nova realidade não impacta apenas as cobranças para o mercado de consumo, mas também para os serviços públicos. A última grande movimentação social ocorrida no País, aconteceu em 1992, contra o ex-presidente Fernando Collor. Até as marchas de junho de 2013 havia mais de 20 anos que o povo brasileiro não se manifestava.

REFORMAS URGENTES
A principal reforma necessária ao País é a microeconômica. É preciso facilitar a abertura de novas empresas e a contratação de profissionais. É preciso tornar o crédito mais acessível e menos burocrático. Essa mudança pode fazer toda a diferença, bem mais do que uma reforma política. Ela também é fundamental, mas, primeiro, é preciso consertar a economia. Se houver estímulos para a nossa microeconomia, teremos também mais receita fiscal e mais recursos para investir em educação. Muito lindo esse discurso da “pátria educadora”, mas sabemos que pouco está sendo feito. São essas duas medidas que realmente importam: reforma imediata da microeconomia e investimentos na educação em médio prazo.

COMUNICAR PARA VENDER
O Brasil vive uma crise de comunicação. Não é que ele se comunique bem ou mal, ele não se comunica. Eu passei um tempo fora do País e vi nações, como o Chile e o México – ou o Japão e a Coreia do Sul, que nem precisam tanto disso –, fazerem muito bem o trabalho de comunicar suas virtudes. O Brasil não faz o mesmo, e o caminho para vender o País é justamente mostrar ao mundo o tamanho da nossa população, a força das nossas instituições, a estrutura e a capacidade que temos de continuar sendo uma grande potência. O otimismo que foi gerado no Brasil em tão pouco tempo mostra que não é difícil superar a crise que enfrentamos agora. Se, como o Lula, o atual governo deixar de fazer a coisa errada, teremos um grande potencial. O Brasil tem hardware de sobra. Falta software. Vivemos essa dualidade, e não adianta achar que só porque a gente quer, o Brasil vai voltar a crescer. Isso não depende de vontade, depende de muito trabalho.


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