Imigrantes se aproximam de movimentos sociais por moradia

O refugiado Alfred Ngalla veio para o Brasil da República dos Camarões - Foto: Daniel Mello/Agência Brasil
O refugiado Alfred Ngalla veio para o Brasil da República dos Camarões – Foto: Daniel Mello/Agência Brasil

Quando um oficial de justiça e policiais militares vieram comunicar a ordem de despejo, Alfred Ngalla, de 30 anos, não entendeu nada. O camaronês havia chegado há poucas semanas no Brasil e não compreendia o português. Com pouco dinheiro, conseguiu um quarto em um prédio, sem saber que era uma ocupação, onde pagava apenas uma ajuda de custo para manutenção do edifício. Um valor muito abaixo dos alugueis das regiões mais bem localizadas da capital paulista, proibitivos para o seu orçamento. “Ficava no centro da cidade. Eu não sabia que tinha problema com aqueles imóveis”, conta Ngalla.

Outro africano que também morava no prédio traduziu a situação para Ngalla: “A polícia deu dez dias para deixarmos o prédio”. A situação parecia ser a concretização de um temor que surgiu nos primeiros dias após o desembarque no Brasil. “No Glicério [região central], eu vi gente, principalmente haitianos, dormindo na rua. Aquilo me deu medo. Eu perguntei a mim mesmo: ‘Se meu dinheiro acabar, eu vou terminar na rua?’”, se questionava.

A partir dessa experiência, o camaronês, que veio há oito meses para o Brasil continuar os estudos em turismo, entendeu qual seria um dos problemas que teria de enfrentar por aqui. “O problema de habitação aqui é complicado, ainda mais para os africanos”, ressalta.

Imigrantes e militantes

Enquanto a experiência de Ngalla foi acidental, o congolês Pitchou Luambo, de 34 anos, ingressou no movimento de moradia por convicção. “Eu gostei de ficar na ocupação, para reivindicar os nossos direitos”, disse o advogado refugiado, que está há cinco anos no país. “Você chega, vê a filosofia do movimento. Não é só para ter o seu lugar para dormir”, diz sobre a participação no Movimento dos Sem Teto no Centro (MSTC).

Na ocupação onde Luambo vive, na Avenida Rio Branco, centro da capital paulista, e em outras promovidas pelo MSTC, a organização faz eventos de formação para explicar as ideias do movimento aos que buscam participar das atividades. A partir dos movimentos de moradia, Luambo conheceu Roberto Gédéon, de 30 anos. Atualmente, ambos militam no Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto, que luta por melhores condições para os estrangeiros que vivem na capital paulista.

Perseguido no Benin por sua atuação política, Gédéon diz que chegou a dormir na rua nas primeiras semanas em que estava no Brasil. “Depois de dois meses eu tive que sair da Casa do Imigrante [abrigo mantido pela Igreja Católica]. Eu não sabia onde ia dormir”, lembra o refugiado que chegou no país praticamente sem nada. “Eu entrei no Brasil com uma camisa e uma calça, como eu estou agora”, conta o estrangeiro que era dirigente local de um partido político.

Apesar de ter conseguido tirar os documentos brasileiros, Gédéon diz que enfrenta dificuldades para conseguir um emprego. Recentemente, o beninense disse conta que foi rejeitado para uma vaga em uma lanchonete por preconceito. “Eu mostrei os meus documentos, mas vi, pela reação da pessoa, que ela não queria que eu trabalhasse lá. Então eu vi que esses documentos não são nada”, conta o estrangeiro que está há sete meses no País.

Obstáculos cotidianos

Forçado a procurar um outro lugar para viver, após o despejo, o camaronês Ngalla foi para Campo Limpo. No bairro da periferia da zona sul, encontrou um apartamento em que divide o aluguel de R$ 700 com um amigo que veio do Togo, país no oeste do continente africano. “Dividimos o aluguel de um apartamento de dois quartos. Ele tem o espaço dele, eu tenho o meu”.

Pagar menos do que é cobrado nas regiões centrais da cidade significou, por outro lado, mais tempo de deslocamento para chegar ao trabalho, no Parque Villa-Lobos, zona oeste. “Eu pensei que poderia trabalhar como jardineiro durante o dia e estudar a noite. Mas vi que eu não teria tempo. Eu precisava acordar às 5h para chegar no trabalho. Quando eu terminava, eu estava cansado, porque eu trabalhava exposto ao sol e à chuva”, contou sobre as razões que o levaram a deixar o emprego e aproveitar o tempo para estudar português.

Com o domínio da língua, Ngalla espera poder investir na carreira de turismólogo. “O verdadeiro problema de integração é a língua. É difícil se comunicar, porque 80% dos brasileiros que eu encontro só falam português. Raros são os que falam bem inglês ou um pouco de francês”, enfatiza sobre o que considera ser o principal problema para se estabelecer no país. Porém, nesse meio tempo, quer encontrar uma ocupação remunerada. “Não posso viver sem trabalhar. Minha família me ajuda, mas não sempre”, conta.

Mesmo com as dificuldades, Ngalla diz que gosta do País e conta que as características culturais do brasileiro contribuíram para sua adaptação: “uma coisa que me marcou, que nós não fazemos lá, é o compartilhamento. Se você vai beber com um brasileiro, você compra uma cerveja e pede dois copos. No meu país, você compra a sua e eu compro a minha, cada um bebe a sua cerveja”.

Por outro lado, a falta de domínio do português faz com que Ngalla ainda tenha dificuldades em ações cotidianas, como comprar cosméticos. Ele conta que chegou a levar para casa produtos que não atendiam suas necessidades. “Eu queria um gel para cabelo afro. Me venderam um gel para cabelo liso de pessoas brancas”, reclamou. Por isso, ele prefere fazer compras em lojas de africanos no centro da cidade, onde são importados produtos do continente natal.


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