Impunidade para os agentes da ditadura era total, diz Clarice Herzog

Clarice Herzog vi;uva do jornalista Vladimir Herzog, assassinado na ditadura. Foto: Arquivo/Marcelo Camargo/Agência Brasil
Clarice Herzog vi;uva do jornalista Vladimir Herzog, assassinado na ditadura. Foto: Arquivo/Marcelo Camargo/Agência Brasil

As mortes em sequência do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, e do metalúrgico Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976, três meses depois, foram para Clarice Herzog, viúva do jornalista, uma demonstração de como a impunidade acobertava as ações criminosas dos agentes da ditadura.

“A impunidade era tão grande, eles se sentiam tão poderosos, que podiam mostrar aquela foto do Vlado enforcado com pé no chão e o Fiel Filho enforcado, sentado numa privada. É uma vergonha, porque nem se preocupavam em fazer uma farsa bem feita, porque a impunidade para eles era total”, disse à Agência Brasil.

O jurista Hélio Bicudo colheu depoimentos de ex-presos da época da ditadura para validar a versão de assassinato praticado por agentes do Estado. “Ninguém que atuava na área poderia acreditar que aquilo foi suicídio. Sabia-se, como foi no caso do Herzog, que era uma morte praticada pela polícia política”, disse.

Bicudo destaca que os dois episódios, as mortes de Herzog e de Fiel Filho, foram importantes para reconstrução da democracia no Brasil. “Essas duas mortes mostravam que a atuação dos agentes da repressão se manifestava não só na classe média, mas também na classe operária, como é o caso do Manoel. Foi uma morte que trouxe um anseio de mobilização para a sociedade, de necessidade de mudança”, afirmou.

O jornalista Vladimir Herzog, assassinado durante a ditadura. Foto: Reprodução/Instituto Vladimir Herzog
O jornalista Vladimir Herzog, assassinado durante a ditadura. Foto: Reprodução/Instituto Vladimir Herzog

Justiça rejeita ação criminal
A ação do Ministério Público Federal (MPF) que pede a responsabilização criminal de sete agentes da repressão envolvidos na morte do metalúrgico Fiel Filho foi negada pela Justiça. O procurador da República Andrey Borges de Mendonça ingressou com o processo em junho do ano passado e, em agosto, entrou com o recurso após a rejeição. O pedido aguarda análise do caso pelo Tribunal Regional Federal.

Foram citados no processo os agentes que ainda estão vivos. A idade deles varia entre 92 anos, caso do médico legista José Antonio de Mello, e 66 anos, caso do carcereiro Alfredo Umeda.

Thereza Fiel com as filhas Aparecida (blusa vermelha), e Márcia (casaco azul). Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Thereza Fiel com as filhas Aparecida (blusa vermelha), e Márcia (casaco azul). Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

“Há pessoas bem idosas. Essa é uma questão premente. Nosso interesse é que seja analisada o quanto antes até porque há risco de que elas venham a morrer, como ocorreu com Ustra [coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo]”, diz o procurador.

Mendonça afirma que, entre os argumentos para a negativa da ação pela Justiça, está o entendimento de que a morte de Fiel não foi crime contra a humanidade.

“Entendeu-se que não haveria, no caso da realidade brasileira, o chamado ataque sistemático e generalizado à população”, acrescenta Mendonça.

O procurador interpôs o recurso contestando tal interpretação com base na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que considera essa conduta praticada por agentes do Estado, como ocorreu com Fiel Filho, crimes contra a humanidade. Ele explica que, desta forma, esses atos não estão passíveis de prescrição ou aplicação da Lei de Anistia.

“Não foi algo isolado, foi algo refletido, pensado e estruturado pelo governo ditatorial militar para que se dizimassem todos aqueles que se opusessem ao regime.” Segundo Mendonça, há resistência do Judiciário em aceitar esta tese. “Temos percebido [rejeição], infelizmente, até porque o tema é novo.”

Sete agentes são acusados de participar da morte de Fiel Filho no DOI-Codi. “Seja coordenando a estrutura de poder, atuando nos interrogatórios, como carcereiros e aderindo à conduta praticada, ou ainda aderindo à versão fictícia de que Fiel Filho teria se matado”, explica Mendonça. Audir Santos Maciel, de 84 anos, comandante do destacamento; Tamotu Nakao, de 82 anos, chefe da equipe de interrogatório; o delegado de Polícia Edevarde José, de 85 anos; e o carcereiro Antonio Nocete, de 68 anos, podem responder por homicídio doloso qualificado. O perito Ernesto Eleutério, de 75 anos, e o médico legista José Antonio de Mello, de 92 anos, por falsidade ideológica.


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