A incômoda semelhança do protesto na Paulista com a marcha de 1964

Sergio Moro é o novo herói nacional. Foto: Luiza Sigulem
Sergio Moro é o novo herói nacional. Foto: Luiza Sigulem

A manifestação que tomou conta da Avenida Paulista e arredores guarda incômodas semelhanças com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que ocupou o centro paulistano em 19 de março de 1964. Cinquenta e dois anos separam o protesto da marcha, mas pelo menos três aspectos são os mesmos: ambas foram organizadas pela direita, arquitetadas para derrubar um governo eleito e levaram uma expressiva parte da classe média para as ruas.

“Tá apertadinho, mas pelo menos só tem gente bonita”, falou bem alto uma moça dentro do ônibus superlotado da linha Jaguaré-Trianon/Masp que carregou de graça manifestantes que não quiseram enfrentar a fila do metrô Vila Madalena. À primeira vista, a gente bonita era a única protagonista do protesto que ocupou os 2,6 km da avenida paulista com uma causa nobre: o combate à corrupção.

Na prática, como em 1964, muitos outros interesses fizeram a classe média enfrentar trajetos em ônibus, metrô e a pé para se espremer na Paulista. Por trás desses interesses estão, é claro, os políticos de oposição. Embora não queiram ser vistos como protagonistas de um movimento que tem o golpe no final da linha, esse é o papel que assumem em manifestações do gênero.

Manifestante tirando selfie com o motorista de ônibus. Foto: Luiza Sigulem
Manifestante tirando selfie com o motorista de ônibus. Foto: Luiza Sigulem

No passado, o governador Adhemar de Barros, que conspirava para derrubar o governo João Goulart, acompanhou a marcha do alto, a bordo de um helicóptero. Em terra firme, na linha de frente da manifestação, colocou sua mulher, dona Leonor.

No protesto da Paulista, políticos, como o governador Geraldo Alckmin e os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Marta Suplicy (PMDB-SP), até apareceram, como se fossem simples convidados. Ainda assim, não se deram bem.

O único herói da turma foi o juiz Sergio Moro, da Lava Jato. Para cada cartaz de Fora Lula, Fora PT e Fora Lula, havia uma louvação ao juiz alvo de críticas por ter constrangido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com uma condução coercitiva. Um dos cartazes lembrava o espírito da marcha de 1964: “Moro, livrai-nos do mal. Amém”.

Entre o protesto e a marcha existem também muitas diferenças. A marcha, que reuniu 300 mil pessoas, refletiu, sem dúvida, uma época mais elegante. Não há registro de pessoas vociferando palavrões naquela época, como se ouvia a cada instante na Avenida Paulista.

Apesar do clima pesado, não foram registrados incidentes de monta. Na marcha de 1964, a polícia também teve pouco trabalho. Apenas seis pessoas foram presas, por estarem alcoolizadas. Dois rapazes também foram detidos, a partir de uma denúncia de participantes da marcha. Eles estavam com o carro cheio de ovos de galinha, mas não pretendiam jogá-los contra ninguém. Eram simples entregadores.


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