A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Assassinato de Jovens analisou na segunda-feira (16) ) o racismo contra jovens negros. Movimentos sociais participaram de uma audiência pública se uniram para denunciar “um verdadeiro genocídio” aos jovens negros. Eles pediram o cumprimento efetivo da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileiras no ensino fundamental e médio.
Os participantes da audiência também pediram a extinção dos chamados “autos de resistência”, mecanismo legal que autoriza os agentes públicos e seus auxiliares a utilizarem os meios necessários para atuar contra pessoas que resistam à prisão em flagrante ou determinada por ordem judicial. Esses especialistas e militantes do movimento negro disseram que muitos policiais usam o auto de resistência para assassinar jovens negros, inclusive com corriqueira manipulação de cenas de crime, como a inserção de armas e drogas por policiais para culpar inocentes.
A coordenadora do Coletivo de Mulheres das Organizações Religiosas do Distrito Federal, pastora Waldicéia Silva, disse que, apesar das conquistas legislativas que o movimento negro conseguiu, é necessário lutar ainda pelo real cumprimento dessas legislações, como a Lei 10.639. Ela também afirmou que a quantidade de quilombos titulados desde 2003 “é pífia”. “Nós, do movimento negro, estamos hoje na luta pela operacionalização dessas legislações – disse a pastora.”
O fundador do Coletivo de Entidades Negras na Bahia, Marcos Fábio Rezende Correia, afirmou de forma contundente que o grande número de jovens negros assassinados não é um extermínio, mas sim um genocídio. Ele disse que as estatísticas mostram que são assassinados três vezes mais negros que brancos. “O Estado brasileiro mata sistematicamente jovens negros. Uma determinada parcela desse país não tem sequer o direito de ir e vir. A tradição brasileira com os negros, homens e mulheres, é de aviltamento, desrespeito e genocídio”, afirmou.
Ele disse ainda que a “guerra às drogas” serve de pretexto para a violência contra os negros. “Quais pessoas morrem? Um helicóptero carregado de cocaína foi apreendido com mais de 400 quilos e nós não vimos ninguém morto, ninguém preso e não vimos nada acontecer de forma a dar exemplo sobre o que deveria ser feito em casos como esse. Isso demonstra quem se quer prender ou matar e quem se quer deixar livre”, protestou.
Marcos Fábio Rezende Correia disse que só os ingênuos poderiam acreditar que as drogas chegam às comunidades nas bolsas das mulheres ou dentro do bolso dos jovens. El indagou, ainda, como as drogas chegam ao Brasil, acrescentando que todos sabem como isso se dá.
Por sua vez, o representante do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, o babalawo Ivanir dos Santos, lembrou seu longo histórico de luta no movimento negro. Ele recordou que ajudou a criar, em 1991, a campanha Não Matem Nossas Crianças!, parceria do movimento negro com a Unicef. Essa campanha, disse o babalawo, serviu para abrir os olhos do país para a violência contra os negros no Brasil.
Já o representante do Comitê Estadual de Promoção da Igualdade Étnico-racial de Pernambuco, Jorge Bezerra de Arruda, disse que a Lei 10.639 não obriga as escolas a dar aula de umbanda nem de candomblé, como pensam alguns professores que rejeitam a aplicação da lei, mas sim aulas de história e cultura africana e afro-brasileiras.
Jorge Bezerra de Arruda também registrou que já promoveu cursos para policiais focando na realidade da juventude negra e na violência. O Programa de Combate ao Racismo Institucional, explicou, tem tido bons resultados. Ele exemplificou citando o caso de um policial com 20 anos de carreira que, após o curso de 60 horas, disse que tinha sido racista toda sua carreira até aquele momento. “Quando olham pra gente, está lá no inconsciente a senzala. Primeiro é a negritude que chega”, afirmou, acrescentando que a violência é grande e cotidiana.
O fundador do projeto Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), frei David Raimundo dos Santos; registrou que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprovou em setembro a Resolução 129, que trata dos autos de infração, estabelecendo regras mínimas de atuação do Ministério Público no controle externo da investigação de morte decorrente de intervenção policial. “O auto de resistência é usado para assassinar, para encobrir extermínios. No Brasil, existe pena de morte só para alguns: negros e pobres.”
O frei disse que, em 2012, 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, sendo mais de 30 mil jovens negros de 15 a 29 anos e menos de 8% dos casos foram apurados pela Justiça.
A representante da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Cida Bento, disse aos senadores que especialistas negros devem trabalhar em todo o processo da CPI, principalmente na assessoria para elaboração do relatório final, que ficará a cargo do relator, senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Para ela, o Judiciário é omisso, pois raramente investiga e pune os assassinos de negros. Cida também registrou que, em Recife, as estatísticas mostram que são assassinados 11 vezes mais jovens negros que brancos.
O presidente do Conselho Deliberativo do Fundo Baobá, Hélio Santos, citou dados do Relatório Anual das Desigualdades Raciais que mostram que mais de 60 pessoas negras são assassinados diariamente no Brasil. Para ele, isso demonstra que “o conceito de genocídio faz sentido”. “O estado só investe na juventude masculina negra brasileira se for para ser jogador de futebol. Quando terminarmos o dia de hoje, 63 homens negros terão morrido de forma violenta no país”, disse.
A representante da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-brasileiros, Zélia Amador de Deus, defendeu a importância das políticas de ação afirmativa, disse que o Brasil nasceu “sob a égide do racismo, que perpassa todas as instituições do país”.
Para ela, a sociedade brasileira é “patológica, doente” por tolerar que os jovens negros sejam vítimas cotidianas de violência. “A violência contra a juventude negra é estrutural, com raízes na escravidão e a sociedade tolera porque não vê o negro como cidadão com direitos”, afirmou.
*Agência Senado
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