A juventude se levanta e escracha

Foto: Mídia Ninja
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Um banho de purpurina rosa na cabeça do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Notas falsas de dólares arremessadas contra o rosto do agora presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Dezenas de pessoas formando a frase “Não vai ter golpe” com os próprios corpos deitados sobre o gramado da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Mulheres vestidas de vermelho na frente da casa da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), iluminando a noite escura com velas para exigir, enquanto eleitoras da ex-petista, o voto contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Batucadas, cantoria e uma enorme faixa escrito “Temer golpista” em frente à casa do presidente interino Michel Temer em um bairro nobre da capital paulista.

São inúmeras e cada vez mais frequentes as ações do Levante Popular da Juventude, movimento social que se utiliza dos “escrachos populares”, métodos lúdicos e artísticos, para denunciar os chamados “inimigos do povo brasileiro”.

Foi com esses métodos que o Levante obteve alcance nacional. Hoje o grupo tem unidades de coordenação em todos os estados do Brasil, com exceção do Acre. Após a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, no dia 17 de abril, o movimento lançou a campanha #EscracheUmGolpista, na qual militantes do Brasil inteiro são estimulados a realizar escrachos contra os parlamentares que votaram a favor do afastamento de Dilma. Neste ano já foram mais de 20 protestos.

No Brasil, os escrachos passaram a ser adotados em defesa da pauta “Memória e Verdade”, em 2012. Torturadores da ditadura civil-militar foram os alvos. A intenção era revelar suas histórias, pouco contadas e jamais punidas pela Justiça. Um exemplo foi o homenageado por Bolsonaro na sessão do impeachment na Câmara dos Deputados, o comandante Carlos Alberto Brilhante Ustra, diretor do DOI-Codi e torturador confesso nos anos de chumbo.

Os escrachos são uma ferramenta de luta surgida em alguns países da América Latina, como Chile e Argentina, no período de transição da ditadura à democracia, para denunciar agentes do Estado ainda impunes. “A técnica consistia em ir até a residência dessas pessoas e denunciar para a sociedade como um todo, especialmente a vizinhança e a mídia, que ali ainda viviam torturadores. O Levante procura resgatar uma identidade latino-americana de luta. Daí vêm os escrachos”, diz Thiago Pará, da coordenação nacional do movimento.

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Criado em 2006 como uma experiência local no Rio Grande do Sul, o Levante Popular da Juventude surgiu da necessidade de mobilizar e incluir os jovens na militância política. O método de “agitação e propaganda”, influência de movimentos sociais do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), resgata elementos da cultura popular, como teatro e música, para atrair a juventude a uma forma “mais alegre” de protesto. “Queremos que a política seja um momento de comemoração, para o povo se apropriar do poder com felicidade, e não por uma obrigação chata e perigosa”, diz Juanita, da coordenação nacional do Levante. A promoção de atividades culturais também é vista como forma de amenizar a falta de espaços de lazer e cultura para a juventude nas periferias urbanas.

Ainda que utilize ferramentas artísticas, o movimento não escapa da repressão da polícia. Em um ato em forma de encenação teatral dentro da Câmara dos Deputados, contra o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), os militantes do Levante é que foram presos sob acusação de crime ambiental: “Os jovens estavam pintados de lama, encostaram na parede do Congresso e deixaram uma marca. Ficaram 3 dias presos por crime ambiental porque estavam fazendo uma peça de teatro e sujaram uma parede, justamente para denunciar o crime ambiental da Samarco. Trabalhar com arte não necessariamente nos protege num ambiente de criminalização dos movimentos sociais”, conta Juanita.

Antes dos escrachos, o trabalho do Levante era voltado à realização de plebiscitos populares, passando de casa em casa para promover debates na sociedade sobre assuntos como a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), privatização da Vale e, mais recentemente, por uma constituinte exclusiva e soberana para a realização de uma reforma do sistema político. Além disso, eram organizadas atividades culturais como batucadas e apresentações de teatro.

Os escrachos são hoje adotados por diversos movimentos. Na última semana, uma marcha de mulheres cercou o carro de Bolsonaro, no Rio de Janeiro, aos gritos de “estuprador” e cusparadas nos vidros. O deputado, em 2014, falou à deputada Maria do Rosário (PT-RS) em plenário que não estupraria a parlamentar por que ela “não merecia”. Em 2003, havia feito ofensa semelhante à petista.

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Na última segunda-feira (30), o Comitê São Francisco Contra o Golpe, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, escrachou o ministro interino da Justiça, Alexandre de Moraes, e o impediu de dar aula. Quando o ex-secretário de Segurança do Estado de São Paulo e professor de Direitos Fundamentais da faculdade se encaminhava para sua mesa, deparou-se com um aluno com microfone em punho e cartazes com palavras de ordem espalhados pela sala. Moraes virou-se e foi embora. Saiu sob o seguinte discurso: “Pessoal, bom dia. Hoje a gente vai dar um pouquinho de aula de direitos fundamentais de verdade. A gente vai ensinar alguma coisa para o ministro, que está se retirando. Acho que ele não quer dar o lugar aqui porque está acostumado a fazer as coisas na base do golpe, da tapetada”.

Enquanto o interino deixava a sala, alunos se revezavam alertando os colegas sobre a violência nas periferias de São Paulo, comandada com mão de ferro por Moraes quando esteve à frente da Secretaria de Segurança. Na mesa de Moraes, lousa e paredes, cartazes estampavam frases como “Amigo do PCC”, “Mata na Favela” e “Bate em professor”, em referência à atuação da Polícia Militar em manifestações contra grevistas.

Segundo Juanita, a ideia dos escrachos surgiu para recuperar o espírito de rebeldia, coragem e de vontade de participação política da juventude, que durante a ditadura militar havia sido arrefecido devido à criminalização, perseguição e tortura: “A gente viu uma geração que cresceu com medo por causa do período da ditadura. Os escrachos se propõe a resgatar a coragem do jovem de se envolver com a política”.

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