“A Lava Jato está impondo um novo tipo de ditadura no Brasil”, diz cientista político

Sergio Moro, juiz responsável pela Operação Lava Jato. Foto:  Lula Marques/Fotos Públicas (09/09/2015)
Sergio Moro, juiz responsável pela Operação Lava Jato. Foto: Lula Marques/Fotos Públicas (09/09/2015)


Em defesa da democracia, a esquerda sai às ruas nesta sexta-feira (18) em diversas capitais do Brasil. Para o cientista político Armando Boito Júnior, pesquisador da Unicamp, os inimigos da esquerda hoje são vários, mas é preciso saber detectar o inimigo principal – segundo ele, “a campanha golpista”.

Os golpistas imaginam que será uma operação indolor, como foi a operação de substituir Collor por Itamar. Ocorre que Dilma não é Collor e Aécio não é Itamar. Vai haver resistência, vai haver repressão, vai haver lutas duras contra o novo governo, pode haver intervenção nos sindicatos oficiais, porque os governos podem intervir nesses sindicatos ainda atrelados pela estrutura varguista, pode haver muitos processos contra as lideranças populares, porque a direita descobriu como usar ditatorialmente o judiciário, enfim, tudo pode radicalizar e nós podemos entrar, entre um estado de emergência e outro, numa nova ditadura”, diz Boito. Para ele, a resistência tem de ser nas ruas: “A direita está dominando as ruas e o esforço deve ser para virar esse jogo”.

 Leia abaixo a entrevista:

Revista Brasileiros – Há o risco de um novo golpe de Estado no Brasil, seja pelo impeachment da presidente Dilma, pelo Legislativo, seja pela cassação da chapa Dilma-Temer, pelo Judiciário?

Armando Boito Júnior – É golpe porque o impeachment não tem base legal e porque os meios utilizados para se chegar a ele são ilegais. Basta ver o que fez o agitador político Sergio Moro ao divulgar ilegalmente conversas telefônicas da presidente da República. Hoje, os golpistas nem discutem mais e há ou se não há base legal para o impeachment. Dizem que o impeachment é necessário porque o governo não tem capacidade política para resolver a crise. Ou seja, a ilegalidade da ação é escancarada. A resistência tem de ser nas ruas. A direita está dominando as ruas e o esforço deve ser para virar esse jogo. O acirramento pode acordar setores que estão neutros por estarem mais distantes da política ou por defenderem posições esquerdistas equivocadas. A presença de Lula, como ocorrerá hoje na Paulista, também deve ajudar. Quem não está ajudando é o governo que, em tese, seria o principal interessado em defender-se do golpe.

O senhor acredita que a presidenta terminará o mandato?

A luta não está decidida, mas o que podemos dizer é que esta é a pior semana vivida até aqui pelo governo. No Congresso, perdeu o PMDB, nas ruas, viu-se contestado pelas manifestações do dia 13 passado que foram as maiores até então e a ida de Lula ao governo foi alvo da rebelião impune do judiciário e da Polícia Federal. O Partido Político da Lava Jato está assumindo a condição de condutor político do país. 

O que explica as decisões políticas da presidenta Dilma em seu primeiro ano de mandato, abandonando o programa econômico com o qual foi eleito e adotando o do Aécio Neves, principal adversário?

Os governos do PT praticaram uma política econômica, social e externa diferente das dos governos do PSDB, mas não romperam com o modelo capitalista neoliberal. Sempre que esbarram num dos limites desse modelo, tendem a recuar. Essa limitação, a pressão muito forte da direita e a falta de um compromisso firme com as classes populares explicam a guinada de Dilma Rousseff.

É essa a principal responsabilidade do governo na crise política e econômica em que o País se encontra?

Sim, o recuo na política econômica e social provocou a recessão e agravou a crise política. A oposição do capital internacional e da alta classe média não se desviou, ao contrário do que a equipe governamental parecia esperar, do objetivo de depor o governo e esse, por sua vez, perdeu boa parte do apoio popular.

O senhor diz que os governos petistas foram o resultado de uma frente de classes, composta principalmente pela grande burguesia interna e a classe operária. Quando e por que essa frente se dissolveu?

A frente sofreu deserções de peso e está em crise profunda. A Fiesp desertou, parte do movimento sindical desertou e por aí vai. A grande burguesia interna sempre se acomodou mal na frente. Com o passar dos anos, e graças à própria política econômica e social dos governos do PT, o movimento sindical foi se fortalecendo, obtendo vitórias e elevando suas exigências. A grande burguesia interna balançou e começou a se afastar. Há outros elementos, mas esse é fundamental.

Como a esquerda pode fazer frente a essa nova ofensiva neoliberal?

A esquerda deve resistir à ofensiva restauradora do capital internacional, da fração da burguesia a ele integrada e da alta classe média tanto pelo fato de eles defenderem a retomada do programa neoliberal ortodoxo quanto pelo fato de eles ameaçarem a democracia. Os inimigos da esquerda são vários, mas é preciso saber detectar o inimigo principal. Ele é, hoje, a campanha golpista. Acima de tudo, é essa campanha que é preciso barrar. 

Como o senhor avalia a operação Lava Jato e seus recorrentes “atropelos” ao devido processo legal, para usar a definição do próprio Marco Aurélio Mello?

A operação Lava Jato não visa a combater a corrupção e sim a depor o governo. Por que é possível fazer esta afirmação? Porque o combate à corrupção é seletivo, demonstrando que há algum critério oculto na eleição dos alvos que não é o critério de combater a corrupção, e porque a cada nova fase a máscara vai caindo: a ação de Sergio Moro como agitador político quando Dilma nomeou Lula foi a gota d’água para quem ainda tinha dúvidas. A Lava Jato é um partido político que está impondo um novo tipo de ditadura no Brasil.

Além da pressão da mídia e, consequentemente, da opinião pública, o senhor acredita que haja alguém acima do juiz Sergio Moro articulando essas ações?

Muitos indícios apontam para ação de grupos econômicos estrangeiros, de organizações internacionais ligadas à União Européia e aos EUA, e apontam também, no nível institucional, para a Procuradoria Geral da República. A Comissária Econômica da UE já declarou que o mercado brasileiro da construção pesada tem de ser aberto para as construtoras do Velho Mundo. Esse mercado, aliás, foi, nos últimos anos, maior que o mercado de obras da Índia e da Argentina somados. Não é por terem praticado corrupção que os executivos das construtoras nacionais foram para a cadeia. Os executivos de multinacionais também praticaram graves atos de corrupção em São Paulo e estão livres, leves e soltos. Esse apoio internacional, a Sergio Moro e os seus mosqueteiros resulta em suporte, estímulo político e material, retribuição simbólica. Agora, os juízes, procuradores e delegados têm também motivos próprios, seus. Pertencem à  alta classe média que quer depor os governos do PT, como evidenciam as manifestações pelo impeachment, para recolocar a população trabalhadora e de baixa renda naquele que imaginam ser o seu lugar. O movimento unifica o que há de pior no Brasil e no cenário internacional.

Como as classes populares reagirão caso o golpe venha a se consumar?

Os golpistas imaginam que será uma operação indolor, como foi a operação de substituir Collor por Itamar. Ocorre que Dilma não é Collor e Aécio não é Itamar. Vai haver resistência, vai haver repressão, vai haver lutas duras contra o novo governo, pode haver intervenção nos sindicatos oficiais, porque os governos podem intervir nesses sindicatos ainda atrelados pela estrutura varguista, pode haver muitos processos contra as lideranças populares, porque a direita descobriu como usar ditatorialmente o judiciário, enfim, tudo pode radicalizar e nós podemos entrar, entre um estado de emergência e outro, numa nova ditadura. Quando apoiou e atiçou o golpe de 1964, Carlos Lacerda e a UDN imaginaram uma intervenção rápida e a subsequente restauração do processo eleitoral que, também imaginavam, iriam vencer. Faltou, como dizia Garrincha com a sua sabedoria popular, “combinar com os russos”. A deposição de Dilma não será um processo indolor. 

O PT e o Lula ainda têm alguma contribuição a dar para a esquerda?

A principal contribuição que poderiam dar neste momento seria investindo os seus recursos políticos e materiais numa mobilização de massa, ampla e consequente contra o golpe de Estado. Essa mobilização exige também que o PT deixe de conciliar com as figuras do Judiciário e da Política Federal que o perseguem. Que seus dirigentes, como José Eduardo Cardoso, deixem de conciliar os agitadores de toga, terno e coturno que dirigem a Operação Lava Jato. Ontem, após Sergio Moro ter revelado conversas da presidente da República e insuflado a alta classe média para sair às ruas pelo golpe de Estado, o José Eduardo Cardoso derramou-se em melosos elogios em entrevista coletiva à imprensa a esse agitador travestido de juiz. Se o PT terá ou não terá algum papel no futuro da esquerda brasileira, isso dependerá, em primeiro lugar, daquilo que ele fizer agora para mobilizar as massas contra o golpe de Estado.

 

 


Comentários

4 respostas para ““A Lava Jato está impondo um novo tipo de ditadura no Brasil”, diz cientista político”

  1. Avatar de José Pereira de Queiroz Neto
    José Pereira de Queiroz Neto

    Bandos de salafrários estão tentando dominar este nosso país: são juizes, são agentes do Ministério Público, são empresários, são as FIESP’s da vida, são os coxinhas representantes da alta burguesia nacional.
    Precisamos estar atentos e mobilizados, ir à av. Paulista como fomos na sexta feira, enfim, mostrar que nosso osso vai ser duro de roer.

  2. Avatar de Marta Luiza
    Marta Luiza

    Dilma , governo, Lula , operação lava jato , pt. VERGONHA NACIONAL !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  3. A lavajato está mesmo impondo a ditadura no Brasil, a ditadura da honestidade.

    1. Esse aí ta ganhando pão com mortadela também…

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