Em defesa da democracia, a esquerda sai às ruas nesta sexta-feira (18) em diversas capitais do Brasil. Para o cientista político Armando Boito Júnior, pesquisador da Unicamp, os inimigos da esquerda hoje são vários, mas é preciso saber detectar o inimigo principal – segundo ele, “a campanha golpista”.
“Os golpistas imaginam que será uma operação indolor, como foi a operação de substituir Collor por Itamar. Ocorre que Dilma não é Collor e Aécio não é Itamar. Vai haver resistência, vai haver repressão, vai haver lutas duras contra o novo governo, pode haver intervenção nos sindicatos oficiais, porque os governos podem intervir nesses sindicatos ainda atrelados pela estrutura varguista, pode haver muitos processos contra as lideranças populares, porque a direita descobriu como usar ditatorialmente o judiciário, enfim, tudo pode radicalizar e nós podemos entrar, entre um estado de emergência e outro, numa nova ditadura”, diz Boito. Para ele, a resistência tem de ser nas ruas: “A direita está dominando as ruas e o esforço deve ser para virar esse jogo”.
Leia abaixo a entrevista:
Revista Brasileiros – Há o risco de um novo golpe de Estado no Brasil, seja pelo impeachment da presidente Dilma, pelo Legislativo, seja pela cassação da chapa Dilma-Temer, pelo Judiciário?
Armando Boito Júnior – É golpe porque o impeachment não tem base legal e porque os meios utilizados para se chegar a ele são ilegais. Basta ver o que fez o agitador político Sergio Moro ao divulgar ilegalmente conversas telefônicas da presidente da República. Hoje, os golpistas nem discutem mais e há ou se não há base legal para o impeachment. Dizem que o impeachment é necessário porque o governo não tem capacidade política para resolver a crise. Ou seja, a ilegalidade da ação é escancarada. A resistência tem de ser nas ruas. A direita está dominando as ruas e o esforço deve ser para virar esse jogo. O acirramento pode acordar setores que estão neutros por estarem mais distantes da política ou por defenderem posições esquerdistas equivocadas. A presença de Lula, como ocorrerá hoje na Paulista, também deve ajudar. Quem não está ajudando é o governo que, em tese, seria o principal interessado em defender-se do golpe.
O senhor acredita que a presidenta terminará o mandato?
A luta não está decidida, mas o que podemos dizer é que esta é a pior semana vivida até aqui pelo governo. No Congresso, perdeu o PMDB, nas ruas, viu-se contestado pelas manifestações do dia 13 passado que foram as maiores até então e a ida de Lula ao governo foi alvo da rebelião impune do judiciário e da Polícia Federal. O Partido Político da Lava Jato está assumindo a condição de condutor político do país.
O que explica as decisões políticas da presidenta Dilma em seu primeiro ano de mandato, abandonando o programa econômico com o qual foi eleito e adotando o do Aécio Neves, principal adversário?
Os governos do PT praticaram uma política econômica, social e externa diferente das dos governos do PSDB, mas não romperam com o modelo capitalista neoliberal. Sempre que esbarram num dos limites desse modelo, tendem a recuar. Essa limitação, a pressão muito forte da direita e a falta de um compromisso firme com as classes populares explicam a guinada de Dilma Rousseff.
É essa a principal responsabilidade do governo na crise política e econômica em que o País se encontra?
Sim, o recuo na política econômica e social provocou a recessão e agravou a crise política. A oposição do capital internacional e da alta classe média não se desviou, ao contrário do que a equipe governamental parecia esperar, do objetivo de depor o governo e esse, por sua vez, perdeu boa parte do apoio popular.
O senhor diz que os governos petistas foram o resultado de uma frente de classes, composta principalmente pela grande burguesia interna e a classe operária. Quando e por que essa frente se dissolveu?
A frente sofreu deserções de peso e está em crise profunda. A Fiesp desertou, parte do movimento sindical desertou e por aí vai. A grande burguesia interna sempre se acomodou mal na frente. Com o passar dos anos, e graças à própria política econômica e social dos governos do PT, o movimento sindical foi se fortalecendo, obtendo vitórias e elevando suas exigências. A grande burguesia interna balançou e começou a se afastar. Há outros elementos, mas esse é fundamental.
Como a esquerda pode fazer frente a essa nova ofensiva neoliberal?
A esquerda deve resistir à ofensiva restauradora do capital internacional, da fração da burguesia a ele integrada e da alta classe média tanto pelo fato de eles defenderem a retomada do programa neoliberal ortodoxo quanto pelo fato de eles ameaçarem a democracia. Os inimigos da esquerda são vários, mas é preciso saber detectar o inimigo principal. Ele é, hoje, a campanha golpista. Acima de tudo, é essa campanha que é preciso barrar.
Como o senhor avalia a operação Lava Jato e seus recorrentes “atropelos” ao devido processo legal, para usar a definição do próprio Marco Aurélio Mello?
A operação Lava Jato não visa a combater a corrupção e sim a depor o governo. Por que é possível fazer esta afirmação? Porque o combate à corrupção é seletivo, demonstrando que há algum critério oculto na eleição dos alvos que não é o critério de combater a corrupção, e porque a cada nova fase a máscara vai caindo: a ação de Sergio Moro como agitador político quando Dilma nomeou Lula foi a gota d’água para quem ainda tinha dúvidas. A Lava Jato é um partido político que está impondo um novo tipo de ditadura no Brasil.
Além da pressão da mídia e, consequentemente, da opinião pública, o senhor acredita que haja alguém acima do juiz Sergio Moro articulando essas ações?
Muitos indícios apontam para ação de grupos econômicos estrangeiros, de organizações internacionais ligadas à União Européia e aos EUA, e apontam também, no nível institucional, para a Procuradoria Geral da República. A Comissária Econômica da UE já declarou que o mercado brasileiro da construção pesada tem de ser aberto para as construtoras do Velho Mundo. Esse mercado, aliás, foi, nos últimos anos, maior que o mercado de obras da Índia e da Argentina somados. Não é por terem praticado corrupção que os executivos das construtoras nacionais foram para a cadeia. Os executivos de multinacionais também praticaram graves atos de corrupção em São Paulo e estão livres, leves e soltos. Esse apoio internacional, a Sergio Moro e os seus mosqueteiros resulta em suporte, estímulo político e material, retribuição simbólica. Agora, os juízes, procuradores e delegados têm também motivos próprios, seus. Pertencem à alta classe média que quer depor os governos do PT, como evidenciam as manifestações pelo impeachment, para recolocar a população trabalhadora e de baixa renda naquele que imaginam ser o seu lugar. O movimento unifica o que há de pior no Brasil e no cenário internacional.
Como as classes populares reagirão caso o golpe venha a se consumar?
Os golpistas imaginam que será uma operação indolor, como foi a operação de substituir Collor por Itamar. Ocorre que Dilma não é Collor e Aécio não é Itamar. Vai haver resistência, vai haver repressão, vai haver lutas duras contra o novo governo, pode haver intervenção nos sindicatos oficiais, porque os governos podem intervir nesses sindicatos ainda atrelados pela estrutura varguista, pode haver muitos processos contra as lideranças populares, porque a direita descobriu como usar ditatorialmente o judiciário, enfim, tudo pode radicalizar e nós podemos entrar, entre um estado de emergência e outro, numa nova ditadura. Quando apoiou e atiçou o golpe de 1964, Carlos Lacerda e a UDN imaginaram uma intervenção rápida e a subsequente restauração do processo eleitoral que, também imaginavam, iriam vencer. Faltou, como dizia Garrincha com a sua sabedoria popular, “combinar com os russos”. A deposição de Dilma não será um processo indolor.
O PT e o Lula ainda têm alguma contribuição a dar para a esquerda?
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